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EXERCÍCIO FÍSICO OU ATIVIDADE FÍSICA: QUAL APRESENTA MAIOR ASSOCIAÇÃO COM A PERCEPÇÃO DA QUALIDADE DO SONO DE ADOLESCENTES?

RESUMO

Objetivo:

Analisar a associação do exercício físico e da atividade física com a percepção da qualidade do sono em adolescentes.

Métodos:

Trata-se de um estudo com abordagem quantitativa que integra o levantamento epidemiológico transversal de base escolar e abrangência estadual cuja amostra foi constituída por 6.261 adolescentes (14 a 19 anos), selecionados por meio de uma estratégia de amostragem aleatória de conglomerados. Os dados foram coletados a partir do questionário Global School-based Student Health Survey. O teste do qui-quadrado e a regressão logística binária foram utilizados nas análises dos dados.

Resultados:

Na amostra, 29% dos adolescentes não faziam exercício e não foram classificados como fisicamente ativos. Os adolescentes que não praticavam exercício físico tinham mais chances de apresentar uma percepção negativa da qualidade do sono (OR 1,13, IC95% 1,04-1,28; p=0,043). Não foi encontrada associação entre o nível de atividade física e a percepção da qualidade do sono (OR 1,01, IC95% 0,89-1,14; p=0,868). Ao serem avaliadas as práticas de forma isolada ou simultânea, constatou-se que aqueles que praticavam exercício físico apresentavam menor chance de terem uma percepção negativa da qualidade do sono (OR 0,82, IC95% 0,71-0,95) e, ao praticarem exercício e, paralelamente, terem uma vida fisicamente ativa, essas chances diminuíam ainda mais (OR 0,79, IC95% 0,68-0,93).

Conclusões:

Ser classificado como fisicamente ativo, por si só, não foi suficiente para uma melhor percepção da qualidade do sono, pois apenas a prática de exercício físico apresentou tal associação.

Palavras-chave:
Atividade física; Exercício; Sono; Adolescente

ABSTRACT

Objective:

To analyze the association of exercises and physical activity with the perception of sleep quality by adolescents.

Methods:

This is a cross-sectional epidemiological survey with statewide coverage, whose sample was composed of 6,261 adolescents (14-19 years old) who were selected by random sampling of conglomerates. The Global School-Based Student Health Survey questionnaire was used for data collection. The chi-square test and the binary logistic regression were applied for data analyses.

Results:

In the sample, 29% of adolescents did not exercise and were not classified as physically active. Adolescents who did not exercise were more likely to present a negative perception of sleep quality (OR 1.13, 95%CI 1.04-1.28, p=0.043). No association between the level of physical activity and the perception of sleep quality was found (OR 1.01, 95%CI 0.89-1.14, p=0.868). Those who practiced exercises only had less chance of perceiving sleep quality as poor (OR 0.82, 95%CI 0.71-0.95). However, those who practiced exercise and had a physically active life had less chances of having a negative perception of their sleep (OR 0.79, 95%CI 0.68-0.93).

Conclusions:

Practicing physical activity alone was not enough to increase the chances of positive sleep quality perception. Only physical exercise had a positive association with sleep quality perception.

Keywords:
Physical activity; Exercise; Sleep; Adolescent

INTRODUÇÃO

A adolescência é marcada por alterações no padrão do sono, o que parece refletir tanto na sua quantidade como em sua qualidade.11. Carskadon MA, Acebo C, Jenni OG. Regulation of adolescent sleep: implications for behavior. Ann N Y Acad Sci. 2004;1021:276-91.,22. Meltzer LJ, Mindell JA. Sleep and sleep disorders in children and adolescents. Psychiatr Clin North Am. 2006;29:1059-76.,33. Colrain IM. Sleep and the brain. Neuropsychol Rev. 2011;21:1-4.,44. Tynjälä J, Kannas L, Levälahti E, Välimaa R. Perceived sleep quality and its precursors in adolescents. Health Promot Int. 1999;14:155-65.,55. Matricciani L, Olds T, Petkov J. In search of lost sleep: Secular trends in the sleep time of school aged children and adolescents. Sleep Med Rev. 2012;16:203-11. Nesse contexto, alguns estudos têm reportado a existência de uma associação entre a qualidade do sono e alguns indicadores de saúde física e mental, 11. Carskadon MA, Acebo C, Jenni OG. Regulation of adolescent sleep: implications for behavior. Ann N Y Acad Sci. 2004;1021:276-91.,22. Meltzer LJ, Mindell JA. Sleep and sleep disorders in children and adolescents. Psychiatr Clin North Am. 2006;29:1059-76.,33. Colrain IM. Sleep and the brain. Neuropsychol Rev. 2011;21:1-4. tornando-se um importante fator para a saúde e o bem-estar do adolescente.11. Carskadon MA, Acebo C, Jenni OG. Regulation of adolescent sleep: implications for behavior. Ann N Y Acad Sci. 2004;1021:276-91.,22. Meltzer LJ, Mindell JA. Sleep and sleep disorders in children and adolescents. Psychiatr Clin North Am. 2006;29:1059-76.,44. Tynjälä J, Kannas L, Levälahti E, Välimaa R. Perceived sleep quality and its precursors in adolescents. Health Promot Int. 1999;14:155-65.

As alterações no padrão e na qualidade do sono durante a adolescência são atribuídas às alterações fisiológicas, ambientais, sociais e comportamentais ocorridas ao longo dessa fase da vida.33. Colrain IM. Sleep and the brain. Neuropsychol Rev. 2011;21:1-4.,44. Tynjälä J, Kannas L, Levälahti E, Välimaa R. Perceived sleep quality and its precursors in adolescents. Health Promot Int. 1999;14:155-65.,66. Hoefelmann LP, Silva KS, Barbosa Filho VC, Silva JA, Nahas MV. Behaviors associated to sleep among high schoolstudents: cross-sectional and prospective analysis. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum. 2014;16:6878. Especificamente no que se refere aos fatores comportamentais, a prática de exercícios físicos tem sido apontada como um fator associado com a melhor qualidade do sono em adolescentes.77. Santiago LC, Lyra MJ, Cunha Filho M, Cruz PW, Santos MA, Falcão AP. Efeito de uma sessão de treinamento de força sobre a qualidade do sono de adolescentes. Rev Bras Med Esporte. 2015;21:148-52.,88. Brand S, Gerber M, Beck J, Hatzinger M, Pühse UWE, Holsboer trachsler E. Exercising , sleep EEG patterns , and psychological functioning are related among adolescents. World J Biol Psychiatry. 2010;11:129-40.,99. Mendelson M, Borowik A, Michallet A, Perrin C, Monneret D, Faure P, et al. Sleep quality, sleep duration and physical activity in obese adolescents: effects of exercise training. Pediatr Obes. 2016;11:2632.,1010. Richardson CE, Gradisar M, Short MA, Lang C. Can exercise regulate the circadian system of adolescents? Novel implications for the treatment of delayed sleep wake phase disorder. Sleep Med Rev. 2017;34:122-29.,1111. Legnani RF, Legnani E, Gasparotto GS, Bacil ED, Silva MP, Campos W. Sleep habits and physical activity in students: a systematic review. Rev Educ Fís/UEM. 2015;26:147-56. Brand et al.88. Brand S, Gerber M, Beck J, Hatzinger M, Pühse UWE, Holsboer trachsler E. Exercising , sleep EEG patterns , and psychological functioning are related among adolescents. World J Biol Psychiatry. 2010;11:129-40. observaram, em uma amostra de adolescentes, que a prática de exercícios físicos regulares está relacionada com a melhor qualidade do sono em 38 jovens com 18 anos de idade. Em outro estudo, uma única sessão de exercício físico explicou aproximadamente 50%da melhoria da qualidade do sono de adolescentes.77. Santiago LC, Lyra MJ, Cunha Filho M, Cruz PW, Santos MA, Falcão AP. Efeito de uma sessão de treinamento de força sobre a qualidade do sono de adolescentes. Rev Bras Med Esporte. 2015;21:148-52.

Nesse cenário, ao longo dos últimos anos, alguns estudos têm centrado esforços na tentativa de identificar qual o papel das atividades físicas diárias - transporte, ocupacional, lazer etc. - e da prática regular de exercícios físicos na qualidade do sono de adolescentes.99. Mendelson M, Borowik A, Michallet A, Perrin C, Monneret D, Faure P, et al. Sleep quality, sleep duration and physical activity in obese adolescents: effects of exercise training. Pediatr Obes. 2016;11:2632.,1212. Boscolo RA, Sacco IC, Antunes HK, Mello MT, Tufik S. Assessment of sleep patterns, physical activityand cognitive functions in scholar adolescents. Rev Port Cien Desp. 2007;7:18-25. Nesse sentido, ressalta-se que a atividade física e o exercício físico são fatores distintos e que devem ser avaliados separadamente, visto que a primeira é tida como qualquer movimento corporal voluntário que resulta em um gasto energético acima dos níveis de repouso,e o segundo é resultante de atividades planejadas, estruturadas e repetitivas, visando à manutenção ou à otimização do condicionamento físico.1313. Caspersen CJ, Powell KE, Christenson GM. Physical activity, exercise, and physical fitness: definitions and distinctions for health related research. Public Health Rep. 1985;100:126-30. Contudo, os resultados encontrados parecem um tanto incertos e controversos, em decorrência da existência de outros fatores comportamentais e sociais que aparecem como mediadores desse complexo relacionamento.1111. Legnani RF, Legnani E, Gasparotto GS, Bacil ED, Silva MP, Campos W. Sleep habits and physical activity in students: a systematic review. Rev Educ Fís/UEM. 2015;26:147-56.

Sendo assim, a identificação sobre a interação observada entre a atividade física e o exercício físico sobre a qualidade do sono em adolescentes é uma lacuna que necessita ser mais bem esclarecida. Desse modo, o objetivo deste estudo foi analisar a associação do exercício físico e da atividade física com a percepção da qualidade do sono em adolescentes.

MÉTODO

Trata-se de um estudo com abordagem quantitativa que integra o levantamento epidemiológico transversal de base escolar e abrangência estadual denominado “Prática de atividades físicas e comportamentos de risco à saúde em estudantes do ensino médio no Estado de Pernambuco”. O protocolo de investigação foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade de Pernambuco - UPE (CAAE-0158.0.097.000-10/CEP-UPE: 159/10). Todas as determinações da Resolução nº 196/96, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), foram respeitadas. Além disso, a presente pesquisa teve a anuência da Secretaria de Educação e Cultura (SEDUC) do Estado de Pernambuco, que forneceu os dados referentes ao censo escolar.

A população-alvo, estimada em 373.386 sujeitos, segundo dados da SEDUC, foi constituída por estudantes do ensino médio, na faixa etária entre 14 e 19 anos, matriculados na rede pública estadual. Para o cálculo do tamanho da amostra, foram adotados os seguintes parâmetros: intervalo de confiança de 95% (IC95%); erro máximo tolerável de 2%; efeito de delineamento amostral de dois; e prevalência estimada em 50% (opção adotada em função dos múltiplos fatores analisados no estudo). A partir desses parâmetros, o tamanho amostral foi estimado em 5.683 escolares. A seleção dos estudantes foi realizada por meio de amostragem por conglomerados em dois estágios.

No primeiro estágio as unidades amostrais primárias foram as escolas selecionadas aleatoriamente, considerando-se a proporcionalidade de distribuição em 17 microrregiões do estado. A distribuição regional foi observada pelo número de escolas localizadas na área de abrangência de cada uma das 17 Gerências Regionais de Educação (GRE). As escolas foram classificadas de acordo com o número de alunos matriculados no ensino médio e observaram-se os seguintes critérios: pequeno (<200 alunos); médio (200-499 alunos); e grande porte (>500 alunos). Os alunos matriculados nos períodos da manhã e da tarde foram agrupados numa única categoria (estudantes do período diurno). Todos os estudantes das turmas sorteadas foram convidados a participar do estudo.

A coleta dos dados ocorreu entre o primeiro (maio e junho) e o segundo semestre (agosto, setembro, outubro e novembro) de 2011. Os dados foram coletados mediante uso do questionário Global School-Based Student Health Survey (GSHS), proposto pela Organização Mundial de Saúde (OMS)1414. World Health Organization. Global school based student health survey. Geneva: WHO; 2008., previamente validado e comumente usado em pesquisas com adolescentes.1515. Tassitano RM, Barros MV, Tenório M, Bezerra J, Florindo AA, Reis RS. Enrollment in physical education is associated with health related behavior among high school students. J Sch Health. 2010;80:126-33.,1616. Brito AL, Hardman CM, Barros MV. Prevalence and factors associated with the co-occurrence of health risk behaviors in adolescents. Rev Paul Pediatr. 2015;33:423-30. Antes do início da coleta de dados, um estudo piloto foi conduzido a fim de testar a aplicabilidade do instrumento. Os dados foram coletados em uma escola de referência da rede pública estadual de ensino na cidade do Recife, Pernambuco, com uma amostra de 86 adolescentes com idade de 14 a 19 anos. Os indicadores de reprodutibilidade apresentaram um coeficiente de correlação intraclasse de moderado a alto na maioria dos itens do questionário, tendo os coeficientes de concordância (índice kappa) variado de 0,52 a 1,00.

A aplicação dos questionários foi efetuada em sala de aula na forma de entrevista coletiva sem a presença dos professores. Os estudantes foram assessorados por dois aplicadores previamente treinados, que esclareceram e auxiliaram no preenchimento dos dados. Todos os alunos foram informados que sua participação era voluntária e que os questionários não continham qualquer tipo de identificação pessoal. Os alunos também foram informados de que poderiam desistir em qualquer etapa da coleta de dados. Um termo de consentimento foi usado para obter dos pais de estudantes menoes de 18 anos permissão para que participassem do estudo. Estudantes com 18 anos ou mais assinaram o próprio termo e indicaram a sua concordância em participar do estudo.

A variável dependente do estudo, a percepção da qualidade do sono, foi mensurada mediante a seguinte pergunta: “Como você avalia a qualidade do seu sono?”. A resposta foi dicotomizada em “Positiva”, para aqueles que avaliaram a qualidade do sono como “boa”, “muito boa”ou “excelente”; e “Negativa”, para aqueles que avaliaram como “ruim” ou “regular”. A quantidade de horas dormidas foi mensurada a partir da seguinte pergunta: “Quantas horas você dorme, em média, durante a noite?”, sendo as opções de resposta em horas.

Em relação à variável nível de atividade física, foram consideradas duas questões do GSHS:

  1. “Durante os últimos 7 dias, quantos dias você foi fisicamente ativo por pelo menos 60 minutos?”

  2. “Durante 1 semana típica ou normal, em quantos dias você é fisicamente ativo por pelo menos 60 minutos?”

Para estimativa do nível de atividade física, foi adotado, em relação às questões 1 e 2, o procedimento sugerido por Prochaska, Sallis e Longo1717. Prochaska JJ, Sallis JF, Long B. A physical activity screening measure for use with adolescents in primary care. Arch Pediatr Adolesc Med. 2001;155:554-9. utilizando a seguinte fórmula: (Questão 1 + Questão 2) ÷ 2. Caso o resultado obtido tivesse valor menor que cinco dias, os adolescentes foram considerados insuficientemente ativos, ou seja, não cumpriam as recomendações de atividade física. Ressalta-se que tal questionário foi validado e obteve validade aceitável quando comparado com a acelerometria, além de ser comumente utilizado em pesquisas realizadas com adolescentes.1818. McMahon EM, Corcoran P, O'Regan G, Keeley H, Cannon M, Carli V, et al. Physical activity in European adolescents and associations with anxiety, depression and well being. Eur Child Adolesc Psychiatry. 2017;26:111-22.,1919. Ng K, Rintala P, Tynjälä J, Välimaa R, Villberg J, Kokko S, et al. Physical activity trends of finnish adolescents with long term illnesses or disabilities from 2002-2014. J Phys Act Health. 2016;13:816 21. Já a prática de exercício físico foi determinada pela pergunta: “Você realiza, regularmente, algum tipo de atividade física no seu tempo livre, como exercícios, esportes, danças ou artes marciais?”, sendo a resposta dicotômica (“sim” ou “não”).

As informações pessoais, as variáveis socioeconômicas e as sociodemográficas foram obtidas por perguntas diretas relacionadas ao sexo, à idade, à cor da pele, ao estado civil, ao local da residência, à ocupação e à escolaridade da mãe, a saber: “Qual o seu sexo?”; “Qual a sua idade, em anos?”; “Você se considerabranco, preto, pardo, amarelo ou indigena?”; “Qual o seu estado civil?”; “A sua residência fica localizada na região/área urbana ou rural?”; “Você trabalha?”; e “Marque a alternativa que melhor indica o nível de estudo da sua mãe”, respectivamente.

O procedimento de tabulação foi efetuado no programa EpiData (versão 3.1). A função “Check” foi utilizada para controlar eletronicamente a entrada de dados na fase de digitação. A fim de detectar e corrigir erros, a entrada de dados foi repetida, os arquivos foram comparados e os erros corrigidos.

A análise dos dados foi realizada por meio do programa Statistical Package for the Social Sciences ® (SPSS) para Windows versão 16.0 (IBM Corp., Armonk, Nova York, Estados Unidos).Na análise descritiva foi observada distribuição de frequências. Na análise inferencial foi utilizado o teste do qui-quadrado de Pearson para avaliar a associação isolada entre a percepção da qualidade do sono e o exercício físico e a atividade física. Recorreu-se à regressão logística binária por meio da estimativa da razão de chances (Odds Ratio - OR) e dos intervalos de confiança de 95% (IC95%), para expressar o grau de associação entre as variáveis independentes (exercício físico e atividade física) e a variável dependente (percepção da qualidade do sono), recorrendo-se ao ajustamento para possíveis fatores de confusão (estado nutricional, gênero, idade e condição econômica). Após a obtenção das variáveis preditoras do modelo final, foi testada a ocorrência de interação entre gêneros. Em relação às variáveis de confusão, entraram no modelo apenas aquelas com nível de significância estatística menor que 0,20 na análise univariada (p<0,20), sendo introduzidas simultaneamente. Assim, chegou-se a um modelo final de regressão apenas com as variáveis que apresentaram contribuição significativa para o modelo utilizando o método Backward.

RESULTADOS

Dos 7.528 alunos que estavam em sala de aula no dia da coleta, 317 jovens se recusaram a participar e 16 não receberam autorização dos pais ou responsáveis, totalizando 333(4%) recusas. Foram efetivamente entrevistados e avaliados 7.195 estudantes. Após a exclusão de 15 questionários que não foram devidamente respondidos e 919 (12,8%) cujos indivíduos se encontravam fora da faixa etária estipulada, a amostra final foi composta por 6.261 adolescentes com idades entre 14 e 19 anos (16,6±1,3 anos), dos quais 59,7% eram do sexo feminino. As características socioeconômicas e demográficas, as prevalências relacionadas à percepção da qualidade do sono, a prática de exercício físico e de atividade física dos adolescentes estão apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1:
Características socioeconômicas, demográficas e prevalências da percepção da qualidade do sono, exercício e atividade física dos adolescentes estudantes do ensino médio da rede pública estadual de ensino de Pernambuco.

A Figura 1 apresenta as prevalências relacionadas às classificações do nível de atividade física e prática de exercício físico de forma isolada ou simultânea dos adolescentes. Constatou-se que 29% dos adolescentes não faziam exercício e não eram classificados como fisicamente ativos e 28% faziam exercício e eram classificados como fisicamente ativos.

Figura 1:
Prevalências da prática de exercício físico relacionadas com a classificação do nível de atividade física dos adolescentes estudantes do ensino médio da rede pública estadual de Pernambuco.

Após o ajuste, foi constatado que aqueles que praticavam exercício físico apresentavam menores chances de terem uma percepção negativa da qualidade do sono (OR 0,82, IC95% 0,71-0,95), e ao praticar exercício e, paralelamente, terem uma vida fisicamente ativa, essas chances diminuíam ainda mais (OR 0,79, IC95% 0,68-0,93), quando comparados àqueles que não praticavam exercício e não eram classificados como fisicamente ativos. Apenas ser classificado como fisicamente ativo não foi suficiente para reduzir as chances de ter uma percepção negativa da qualidade do sono (p=0,841) (Tabela 2).

Tabela 2:
Razão de chance (Odds Ratio) da relação atividade física versus exercício físico com a percepção negativa da qualidade do sono em adolescentes estudantes do ensino médio da rede pública estadual de Pernambuco.

DISCUSSÃO

O objetivo deste estudo foi analisar a associação do exercício físico e da atividade física com a percepção da qualidade do sono em adolescentes. Os principais resultados encontrados mostraram que um quarto dos adolescentes relatou ter uma percepção negativa da qualidade do sono. Apenas a prática do exercício físico, e não da atividade física, foi associada a uma melhor percepção da qualidade do sono, porém tal prática, somada a uma vida fisicamente ativa, diminui as chances de apresentar uma má percepção, independentemente da idade, do sexo, do estado nutricional e da quantidade de horas dormidas dos adolescentes.

Os resultados deste estudo corroboramos achados encontrados em um estudo realizado com adolescentes de 20 escolas públicas do Recife e de Florianópolis, em que foi observado, nos dados transversais e longitudinais, que 45,7 e 45,8% dos jovens relataram uma percepção negativa da qualidade do sono, respectivamente.66. Hoefelmann LP, Silva KS, Barbosa Filho VC, Silva JA, Nahas MV. Behaviors associated to sleep among high schoolstudents: cross-sectional and prospective analysis. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum. 2014;16:6878. Em outro estudo realizado no estado de Santa Catarina, entre 2001 e 2011, foi observado um aumento em relação à prevalência da percepção negativa da qualidade do sono em 31,2% dos adolescentes.2020. Hoefelmanna LP, Lopes AS, Silva KS, Moritz P, Nahas MV. Sociodemographic factors associated with sleep quality and sleep duration in adolescents from Santa Catarina, Brazil: what changed between 2001 and 2011? Sleep Med. 2013;14:1017-23. Os autores sugerem que esse aumento pode ser explicado pelas mudanças em fatores sociodemográficos, que, por sua vez, foram influenciados pela evolução tecnológica observada durante essa década. O alto percentual encontrado para a má qualidade do sono em adolescentes brasileiros reflete a importância e a necessidade de criar estratégias e ações, por parte das organizações de saúde pública, que objetivem a promoção de estilos de vida mais saudáveis.

Curiosamente, observou-se neste estudo que, mesmo realizando exercício físico, o indivíduo pode ser classificado como insuficientemente ativo e que aquele classificado como fisicamente ativo não necessariamente faz exercício físico. Assim, constatou-se que 7% dos adolescentes não faziam exercícios físicos, mas eram classificados como fisicamente ativos, e 36% faziam exercícios físicos, mas não eram classificados como fisicamente ativos. Ressalta-se que a atividade física pode ser entendida como um comportamento inerente ao ser humano, conceituado como todo e qualquer movimento corporal voluntário produzido pelos músculos esqueléticos que resulta em gasto energético acima dos níveis de repouso.1313. Caspersen CJ, Powell KE, Christenson GM. Physical activity, exercise, and physical fitness: definitions and distinctions for health related research. Public Health Rep. 1985;100:126-30. Para ser classificado como fisicamente ativo, o adolescente precisa realizar 60 minutos ou mais de atividades físicas por dia, de intensidade moderada a vigorosa, 5 ou mais dias na semana.2121. World Health Organization. Global recommendations on physical activity for health. Geneva: WHO; 2010. Já o exercício é definido a partir da intencionalidade do movimento, considerando que o exercício físico é um subgrupo das atividades físicas planejado, estruturado e repetitivo, tendo como propósito a manutenção ou a otimização do condicionamento físico.1313. Caspersen CJ, Powell KE, Christenson GM. Physical activity, exercise, and physical fitness: definitions and distinctions for health related research. Public Health Rep. 1985;100:126-30. Conceitual e operacionalmente, a atividade física e o exercício físico são distintos, o que reforça a importância de se avaliar separadamente a sua influência sobre a qualidade do sono.

No presente estudo, observou-se que a prática do exercício físico, e não da atividade física, foi associada com uma melhor percepção da qualidade do sono, independentemente da idade e do sexo dos adolescentes. Os estudos voltados à existência de uma relação entre a prática de atividade física e a qualidade do sono em adolescentes encontraram resultados controversos, indicando que fatores comportamentais e sociodemográficos podem mediar essa relação.1111. Legnani RF, Legnani E, Gasparotto GS, Bacil ED, Silva MP, Campos W. Sleep habits and physical activity in students: a systematic review. Rev Educ Fís/UEM. 2015;26:147-56. Por outro lado, o envolvimento em programas de exercício físico de forma sistemática e que promovam um maior dispêndio energético, com controle da intensidade, da frequência e da duração, apresentam resultados em relação ao sono que parecem um tanto mais robusto.2222. Yang P, Ho K, Chen H, Chien MY. Exercise training improves sleep quality in middle aged and older adults with sleep problems: a systematic review. J Physiother. 2012;58:157-63.

Em um recente estudo de metanálise,2222. Yang P, Ho K, Chen H, Chien MY. Exercise training improves sleep quality in middle aged and older adults with sleep problems: a systematic review. J Physiother. 2012;58:157-63. foi observado que o envolvimento com exercícios físicos tem um efeito benéfico sobre a qualidade do sono, além de diminuir tanto a latência do sono quanto o uso de medicação para dormir. Em outro estudo, Noland et al.2323. Noland H, Price JH, Dake J, Telljohann SK. Adolescents' sleep behaviors and perceptions of sleep. J Sch Health. 2009;79:224-30. observaram que a prática de exercícios físicos antes do horário de dormir foi citada como uma das estratégias utilizadas pelos adolescentes para adormecer. Por outro lado, segundo Santiago et al.,77. Santiago LC, Lyra MJ, Cunha Filho M, Cruz PW, Santos MA, Falcão AP. Efeito de uma sessão de treinamento de força sobre a qualidade do sono de adolescentes. Rev Bras Med Esporte. 2015;21:148-52. a realização de uma sessão de treinamento de força no período da manhã ou da tarde melhoraram a qualidade do sono de adolescentes em regime de internato.

Os modelos teóricos que buscam explicar os efeitos do exercício sobre o sono estão associados às hipóteses termorreguladoras, da conservação de energia e da restauração corporal. A hipótese termorreguladora afirma que o aumento da temperatura corporal, decorrente do exercício físico, favoreceria “o disparo” do sono, por meio da estimulação de mecanismos de dissipação de calor corporal controlados pelo hipotálamo, e o aumento do sono de ondas lentas, fase mais profunda do sono em que há a restauração física.2424. Martins PJ, Mello MT, Tufik S. Exercício e sono. Rev Bras Med Esporte. 2001;7:28-36.,2525. Mello MT, Boscolo RA, Esteves AM, Tufik S. Physical exercise and the psychobiological aspects. Rev Bras Med Esporte. 2005;11:203-7. Já a hipótese da conservação de energia consiste na elevação do gasto energético decorrente da prática de exercícios físicos durante a vigília. Esse aumento leva o indivíduo a necessitar de sono como um meio reparador ao balanço energético para as horas em vigília que estão por vir.2424. Martins PJ, Mello MT, Tufik S. Exercício e sono. Rev Bras Med Esporte. 2001;7:28-36.,2525. Mello MT, Boscolo RA, Esteves AM, Tufik S. Physical exercise and the psychobiological aspects. Rev Bras Med Esporte. 2005;11:203-7. A hipótese restauradora pressupõe que o aumento do catabolismo, decorrente dos exercícios físicos realizados durante os períodos acordados, acarreta uma diminuição das reservas energéticas, resultando em um aumento da necessidade do sono para que se proporcione o anabolismo.2424. Martins PJ, Mello MT, Tufik S. Exercício e sono. Rev Bras Med Esporte. 2001;7:28-36.,2525. Mello MT, Boscolo RA, Esteves AM, Tufik S. Physical exercise and the psychobiological aspects. Rev Bras Med Esporte. 2005;11:203-7.

No presente estudo, foi interessante observar que os adolescentes que praticavam exercícios físicos e tinham uma vida fisicamente mais ativa tinham uma maior chance de perceberem seu sono de forma positiva. Mesmo ciente dos resultados encontrados, solicita-se cautela na extrapolação dos achados, visto que o estudo apresenta algumas limitações que devem ser consideradas. O delineamento transversal e a natureza correlativa dos dados nos impedem de estabelecer uma relação causal entre a prática do exercício físico e a percepção da qualidade do sono. Além disso, a qualidade do sono, o nível de atividade física e de exercício físico foram obtidos por medição indireta, sabendo-se que os métodos diretos (testes actigráficos, polissonográficos e acelerometria) trariam informações mais precisas. Nesse sentido, estudos futuros devem utilizar métodos diretos, além de intervenções longitudinais relacionadas ao exercício, controlando as intensidades aplicadas por se tratar de uma variável que pode influenciar diretamente no sono. Mesmo cientes das limitações relacionadas à utilização do questionário, ressalta-se que, por se tratar de uma amostra com mais de 6.000 indivíduos, o uso de avaliações diretas seria praticamente inviável, por questão de praticidade e custo.

Entre os pontos fortes, ressalta-se o tamanho da amostra, os procedimentos de amostragem, que foram estabelecidos para garantir sua composição por estudantes adolescentes que frequentam escolas em áreas rurais e urbanas, bem como aqueles que frequentam a escola em diferentes turnos. Ressalta-se a análise realizada com o controle de potenciais fatores de confusão.

Em conclusão, foi possível perceber que ser classificado como fisicamente ativo não foi suficiente para uma melhor percepção da qualidade do sono, pois apenas a prática de exercício físico apresentou associação com uma melhor percepção da qualidade do sono, independentemente do sexo, da idade, do estado nutricional e da quantidade de horas dormidas de adolescentes.

REFERÊNCIAS

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  • Financiamento: Todas as fases deste estudo foram financiadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Pernambuco (FACEPE).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2018

Histórico

  • Recebido
    09 Maio 2017
  • Aceito
    27 Ago 2017
  • Publicado
    12 Set 2018
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