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Relato de caso: transmissão vertical de dengue

Resumos

OBJETIVOS: Relatar um caso de transmissão vertical de dengue ocorrido durante epidemia de 2008 pelo vírus tipo II no Rio de Janeiro e revisar a literatura sobre transmissão vertical de dengue. DESCRIÇÃO: Relatamos um caso de transmissão vertical de dengue. Recém-nascido a termo do sexo feminino, peso de nascimento de 3.940 g, foi admitida na unidade de terapia intensiva neonatal com rash cutâneo, hipoatividade e febre no quinto dia de vida. O hemograma evidenciava plaquetopenia importante (38.000 plaquetas). A mãe apresentou quadro clínico compatível com dengue 3 dias antes do parto. Foram colhidos então IgM para dengue da mãe e do recém-nascido, realizados pelo método de ELISA, sendo positivos em ambos. Dengue tipo 2 foi detectado no recém-nascido através de reação em cadeia da polimerase. COMENTÁRIOS: Este relato enfatiza a importância do pediatra estar alerta para a possibilidade de transmissão vertical de dengue iniciando precocemente o tratamento.

Gravidez; dengue; recém-nascido


OBJECTIVES: To report a case of vertical dengue infection in a newborn from Rio de Janeiro, Brazil, and to review the literature concerning this problem. DESCRIPTION: We report a case of vertical dengue infection. Female neonate, birth weight 3,940 g, term, was admitted to a neonatal intensive care unit on the fifth day of life with fever and erythematous rash. Her mother had had dengue fever 3 days before delivery. Her platelet count was 38,000, dropping to 15,000. She did not have any hemorrhagic episodes, including cerebral hemorrhages. Anti-dengue antibodies (IgM) were positive in the mother and infant. Dengue type 2 was detected in the infant using polymerase chain reaction. COMMENTS: This report emphasizes that pediatricians should be aware of the possibility of vertical dengue infection so that early management can be instituted.

Pregnancy; dengue; neonate


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COMUNICAÇÃO BREVE

Relato de caso: transmissão vertical de dengue

Samara L. C. MarounI; Roberta C. C. MarliereII; Rovena C. BarcellusII; Claudia N. BarbosaIII; Jose R. M. RamosIV; Maria E. L. MoreiraV

I

IIMédica residente, Instituto Fernandes Figueira, Fiocruz, Rio de Janeiro, RJ

IIIMédica neonatologista. Responsável, alojamento conjunto, Instituto Fernandes Figueira, Fiocruz, Rio de Janeiro, RJ

IVChefe, Departamento de Neonatologia, Instituto Fernandes Figueira, Fiocruz, Rio de Janeiro, RJ

VMédica neonatologista. Docente permanente, Pós-Graduação em Saúde da Criança e da Mulher, Instituto Fernandes Figueira, Fiocruz, Rio de Janeiro, RJ

Correspondência Correspondência:Maria Elisabeth Lopes Moreira Instituto Fernandes Figueira Avenida Rui Barbosa, 716 Departamento de Neonatologia CEP 22250-020 - Rio de Janeiro, RJ Tel.: (21) 2554.1819 Email: bebeth@iff.fiocruz.br Artigo submetido em 07.04.08, aceito em 25.06.08.

RESUMO

OBJETIVOS:

DESCRIÇÃO: Relatamos um caso de transmissão vertical de dengue. Recém-nascido a termo do sexo feminino, peso de nascimento de 3.940 g, foi admitida na unidade de terapia intensiva neonatal com rash cutâneo, hipoatividade e febre no quinto dia de vida. O hemograma evidenciava plaquetopenia importante (38.000 plaquetas). A mãe apresentou quadro clínico compatível com dengue 3 dias antes do parto. Foram colhidos então IgM para dengue da mãe e do recém-nascido, realizados pelo método de ELISA, sendo positivos em ambos. Dengue tipo 2 foi detectado no recém-nascido através de reação em cadeia da polimerase.

COMENTÁRIOS: Este relato enfatiza a importância do pediatra estar alerta para a possibilidade de transmissão vertical de dengue iniciando precocemente o tratamento.

Palavras-chave: Gravidez, dengue, recém-nascido.

Introdução

A dengue é uma doença febril aguda causada por um vírus do gênero flavivírus pertencente à família Flaviviridae, sendo, hoje, a mais importante arbovirose (doença transmitida por artrópodes) que afeta o homem. Constitui-se em sério problema de saúde pública no mundo, especialmente nos países tropicais, onde as condições do meio ambiente favorecem o desenvolvimento e a proliferação do Aedes aegypti, principal mosquito vetor. São conhecidos quatro sorotipos: 1, 2, 3 e 41. Apesar de a picadura do mosquito ser a principal forma de aquisição da doença, atualmente na literatura há relatos de transmissão vertical de dengue, o que, aliado ao aumento número de casos na população, principalmente de dengue não-clássica, torna-se um motivo a mais de preocupação para os profissionais de saúde1-3.

Assim, nosso relato de caso visa alertar quanto à possibilidade da transmissão materna da dengue, que se manifestaria no neonato como um quadro clínico inicialmente indistinguível da sepse neonatal, portanto com grande possibilidade de não ser diagnosticado1.

Relato do caso

Recém-nascido (RN) do sexo feminino, peso ao nascer de 3.940 g, a termo, foi admitida na unidade de terapia intensiva (UTI) neonatal com rash cutâneo, hipoatividade e febre no quinto dia de vida oriunda do alojamento conjunto. Ao ser admitido na UTI, o RN foi rastreado para infecção bacteriana, sendo iniciado esquema antibiótico com ampicilina e amicacina. O hemograma colhido 24 horas após inicio de antibióticos evidenciava plaquetopenia importante (38.000 plaquetas). A mãe havia apresentado febre e sintomas compatíveis com virose 3 dias antes do parto, os quais ela não havia atribuído à dengue e, portanto, não procurou nem informou a maternidade ou serviço de saúde. Foram colhidos IgM para dengue da mãe e do bebê, realizados pelo método de ELISA (enzyme-linked immunosorbent assay), que foram positivos em ambos. Dengue tipo 2 foi detectado no bebê através de reação em cadeia da polimerase (PCR). O número de plaquetas diminuiu até 15.000, e as transaminases hepáticas se elevaram (TGO 1987, TGP 863, FA 427). O RN foi adequadamente hidratado, recebeu uma unidade de plaquetas e continuou em uso de antibióticos por 7 dias até que fosse confirmado por sorologia o diagnóstico de dengue. O neonato recebeu alta com 20 dias de vida em boas condições clínicas, em aleitamento materno e com plaquetas e transaminases normais. O hospital localiza-se na zona sul do Rio de Janeiro, fora da zona geográfica de maior risco, e não houve nenhum outro caso na mesma época em pacientes internados ou em funcionários do setor. O controle de vetores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) não encontrou focos de Aedes aegypti nas imediações do hospital, o que torna improvável a possibilidade de contaminação pós-nascimento.

Discussão

Existem, até então, poucos casos relatados de transmissão vertical de dengue publicados na literatura1-6. A maior série de casos com repercussões neonatais documentadas incluiu 10 casos na Ásia (Tailândia e Malásia), dois na Europa (França) e cinco na América Latina (Taiti)1. Uma outra série de casos em gestantes foi realizada no Sri Lanka, incluindo 26 casos de dengue ocorrendo em fases diferentes da gravidez com repercussões graves em sete grávidas e relato de que oito foram tratadas inicialmente como tendo outro diagnóstico. As repercussões fetais dos casos ocorridos no Sri Lanka foram raras (um aborto e um parto prematuro), mas nenhuma das gestantes apresentou sintomatologia próximo ao parto2. Uma revisão de 38 casos graves de dengue na gravidez ocorridos na Guiana Francesa evidenciou um aumento de prematuridade e de óbito fetal em pacientes hospitalizadas, e na série de 59 casos de dengue na gravidez ocorrida na epidemia de 1981 por vírus tipo 2 em Cuba há relatos de quatro casos de RN com IgM positiva3,4. No caso que relatamos, a mãe não apresentou sintomas graves de dengue, embora apresentasse IgM positiva indicando infecção recente. A gravidade do quadro na grávida é variável entre as séries de casos apresentadas, mas há relatos na literatura de casos indistinguíveis da síndrome HELLP (hemólise, elevação de enzimas hepáticas e plaquetas baixas)1,7.

A imunopatogênese da transmissão vertical de dengue ainda não está bem estabelecida, porém as características clínicas nos RN descritas nos relatos anteriores puderam ser observadas também em nosso caso clínico. Complicações hemorrágicas graves nos RN também não são comumente observadas, apesar do relato de plaquetopenia acentuada (a maioria < 30.000)1.

Em relação ao feto, autores relatam um aumento de incidência de malformações de tubo neural em RN cujas mães apresentaram dengue no primeiro trimestre de gravidez, durante uma epidemia de dengue na Índia5. Há também relatos de prematuridade e de baixo peso ao nascer1,3. No RN, os autores relatam que a dengue grave ocorre somente quando o quadro clínico na mãe acontece próximo ao termo ou ao parto em si, e não há tempo para produção materna de anticorpos protetores1,2,7.

No caso que relatamos, a hipótese de transmissão vertical em contraposição à contaminação pós-natal foi baseada nos seguintes fatos: (1) a proximidade da infecção materna comprovada do parto; (2) o período de incubação de 5 dias; (3) a não existência de focos do vetor nas proximidades da maternidade e a não existência de outros casos.

Comparando o caso apresentado com a série de casos em RN, verificamos que o período de incubação, a apresentação clínica e os testes laboratoriais foram semelhantes. O intervalo de tempo entre o início da febre na gestante e no RN nos casos já referidos variou entre 1 e 13 dias (média de 7), semelhante ao caso que apresentamos1,7.

Portanto, além de rara, sugere-se que a transmissão vertical por dengue seja subdiagnosticada e sub-relatada, não podendo ser excluída do diagnóstico de neonatos com o quadro clínico descrito acima, principalmente se a história materna for sugestiva. Além disso, com o aumento do número de novos casos de dengue, especialmente dos graves, as gestantes tornam-se também um grupo mais susceptível a essa infecção, que pode trazer conseqüências letais não só para ela, mas também para seu concepto. A taxa de prevalência de infecção recente em parturientes durante epidemia na Malásia foi de 2,5%, e de transmissão vertical de dengue, de 1,6%7. Segundo fontes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população em idade fértil no município do Rio de Janeiro (10-49 anos) é de 1.997.134 mulheres, e o número de nascimentos ano é de 80.000 partos/ano. Considerando o número atual de casos e o tempo de aparecimento da doença nos RN, em geral de 5 a 13 dias de vida, ou seja, após a alta da maternidade, é provável que haja casos de transmissão vertical não notificados ou não diagnosticados8.

Os sintomas na gestante e no RN variam entre os relatos da literatura, mas, em geral, os sintomas mais comuns são febre e a trombocitopenia. No caso apresentado, a mãe relatou sintomatologia de virose: letargia e febre (Tabela 1).

Portanto, a conduta mais adequada quando se tem a suspeita diagnóstica de dengue na gravidez é a conduta conservadora, não apressando o parto. Na presença do parto iminente, o RN deve ser cuidadosamente acompanhado em sua evolução clínica até a segunda semana de vida1,3. O acompanhamento ao longo do primeiro ano de vida de três RN com transmissão vertical de dengue não evidenciou seqüelas a longo prazo9.

Agradecimentos

Ao Instituto de Pesquisa Evandro Chagas pela realização dos exames.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

Como citar este artigo: Maroun SL, Marliere RC, Barcellus RC, Barbosa CN, Ramos JR, Moreira ME. Case report: vertical dengue infection. J Pediatr (Rio J). 2008;84(6):556-559.

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  • Correspondência:
    Maria Elisabeth Lopes Moreira
    Instituto Fernandes Figueira
    Avenida Rui Barbosa, 716
    Departamento de Neonatologia
    CEP 22250-020 - Rio de Janeiro, RJ
    Tel.: (21) 2554.1819
    Artigo submetido em 07.04.08, aceito em 25.06.08.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jan 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Aceito
      25 Jun 2008
    • Recebido
      07 Abr 2008
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