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Endocardite infecciosa causada por Eikenella corrodens

Resumos

Os microorganismos do grupo HACEK (Haemophilus spp, Actinobacillus actinomycetemcomitans, Cardiobacterium hominis, Eikenella corrodens e Kingella kingae) são responsáveis por 3% dos casos de endocardites. Eles apresentam propriedades clínicas e microbiológicas semelhantes entre si: são bacilos gram-negativos, isolados mais facilmente em meios aeróbicos, suas culturas necessitam de tempo prolongado de incubação para crescimento (média 3,3 dias) e podem ser considerados como parte da flora normal do trato respiratório superior e da orofaringe1,2. Algumas características foram identificadas nas endocardites por esses agentes, como o quadro clínico insidioso¹, diagnóstico difícil pela natureza fastidiosa e culturas negativas3,4. A endocardite por Eikenella corrodens foi descrita pela primeira vez em 1972(5) e continua sendo um agente etiológico raro. Relatamos o caso de uma paciente com valva nativa que apresentou endocardite infecciosa causada por Eikenella corrodens.


The HACEK microorganisms (Haemophilus spp, Actinobacillus actinomycetemcomitans, Cardiobacterium hominis, Eikenella corrodens, and Kingella kingae) account for 3% of the cases of endocarditis. They have the following similar clinical and microbiological properties: are Gram-negative bacilli, more easily isolated in aerobic media; their cultures require prolonged incubation time for growing (mean, 3.3 days); and may be considered part of normal flora of upper respiratory tract and oropharynx1,2. The following characteristics have been identified in endocarditis caused by the HACEK microorganisms: insidious clinical findings¹; difficult diagnosis due to the fastidious nature of the microorganisms; and negative cultures3,4. The Eikenella corrodens endocarditis was first described in 1972(5). That microorganism continues to be a rare etiological agent. We report the case of a female patient with native valve, who had Eikenella corrodens infective endocarditis.


RELATO DE CASO

Endocardite infecciosa causada por Eikenella corrodens

Juliano Novaes Cardoso; Marcelo Eidi Ochiai; Múcio T. Oliveira Jr.; Paulo Morgado; Robinson Munhoz; Fernanda E. Andretto; Alfredo José Mansur; Antonio Carlos Pereira Barretto

Instituto do Coração do Hospital das Clínicas - FMUSP - São Paulo, SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Juliano Novaes Cardoso Rua Ministro Gastão Mesquita, 725/83 05012-010 - São Paulo, SP E-mail: julianonc@hotmail.com, cardiopulsar@hotmail.com

RESUMO

Os microorganismos do grupo HACEK (Haemophilus spp, Actinobacillus actinomycetemcomitans, Cardiobacterium hominis, Eikenella corrodens e Kingella kingae) são responsáveis por 3% dos casos de endocardites. Eles apresentam propriedades clínicas e microbiológicas semelhantes entre si: são bacilos gram-negativos, isolados mais facilmente em meios aeróbicos, suas culturas necessitam de tempo prolongado de incubação para crescimento (média 3,3 dias) e podem ser considerados como parte da flora normal do trato respiratório superior e da orofaringe1,2. Algumas características foram identificadas nas endocardites por esses agentes, como o quadro clínico insidioso1, diagnóstico difícil pela natureza fastidiosa e culturas negativas3,4.

A endocardite por Eikenella corrodens foi descrita pela primeira vez em 19725 e continua sendo um agente etiológico raro.

Relatamos o caso de uma paciente com valva nativa que apresentou endocardite infecciosa causada por Eikenella corrodens.

Relato do caso

Mulher de 32 anos de idade procurou atendimento médico em razão de febre diária de até 39º C e inapetência, há uma semana da internação.

Paciente com diagnóstico prévio de valvopatia reumática sem acompanhamento médico.

O exame físico revelou paciente em regular estado geral, eupnéica, descorada +/4+, temperatura axilar de 38º C, freqüência cardíaca 90 bpm, com pulso em "martelo d'água" e pressão arterial de 120 x 20 mmHg. O exame dos pulmões não revelou alterações. O exame do coração evidenciou ritmo cardíaco regular, sopro sistólico 4+/6+ em área aórtica, irradiado para borda esternal esquerda e para foco mitral e sopro diastólico 3+/6+ em área aórtica. Na avaliação odontológica, foi constatada má condição odontoestomatológica.

O hemograma revelou hemoglobina de 10,4 g/dl, hematócrito de 30%, 7.800 leucócitos e 120.000 plaquetas. A creatinina era de 0,9 mg/dl e a glicemia sangüínea de jejum 120 mg/dl. Na urina tipo 1 não havia leucocitúria.

O eletrocardiograma demonstrou ritmo sinusal, sobrecarga de câmaras esquerdas. A radiografia de tórax evidenciou aumento de área cardíaca e campos pulmonares sem alterações.

O ecocardiograma transtorácico demonstrou diâmetro de ventrículo esquerdo de 5,3 x 2,7 cm e diâmetro de átrio esquerdo de 4,6 cm. O ecocardiograma transesofágico observou valva aórtica trivalvular intensamente calcificada, com diminuição da sua mobilidade e com dupla disfunção acentuada. Observou-se imagem ao nível do anel valvar que se projetava para o seio coronariano de aspecto mais rugoso, porém com ecogenicidade próxima à do cálcio, podendo ser compatível com vegetação crônica.

Nas duas primeiras amostras de hemocultura não houve crescimento de nenhum microorganismo. Optou-se por aguardar o diagnóstico etiológico antes de iniciar o tratamento com antimicrobianos.

Dois dias após a admissão, novo hemograma revelou 16.100 leucócitos com 90% de neutrófilos. Foram colhidas novas amostras de hemocultura e, como houve piora do quadro clínico, foi iniciada terapia com penicilina cristalina e gentamicina.

Após a introdução do antibiótico, houve melhora do estado geral, porém com persistência de febre. Cinco dias após a introdução dos antibióticos, foi identificado crescimento de Eikenella corrodens nos três pares de hemocultura colhidos no balão aeróbico. O tratamento foi modificado para ceftriaxone 2 g por dia. Paciente evoluiu com melhora. Foi feito o tratamento com antibiótico durante seis semanas. A paciente recebeu alta hospitalar e, após 40 dias, encontrava-se em sua atividade habitual.

Discussão

A experiência com o caso clínico apresentado permite a análise de aspectos de interesse, tais como diagnóstico, agente etiológico incomum e sua resposta ao tratamento medicamentoso.

A freqüente prática do uso empírico de antibióticos, antes mesmo da coleta adequada de hemocultura, prejudica consideravelmente o diagnóstico, uma vez que em vigência de antibióticos a sensibilidade do exame diminui. Nesse caso, como as hemoculturas foram colhidas corretamente, foi possível identificar a bactéria, que teve um crescimento lento, característico do grupo. E, como sabemos, o diagnóstico microbiológico preciso é muito importante para a escolha adequada do antimicrobiano6.

Infecções causadas por bactérias do grupo HACEK devem ser suspeitadas em pacientes com história de doença periodontal ou tratamento dentário recente1,4.

Na literatura, identificamos dezenove casos de endocardite por Eikenela corrodens. Devido a crescente produção de beta-lactamase por este grupo de bactérias, as cefalosporinas de terceira geração são a recomendação atual7.

Nossa paciente apresentou evolução similar aos relatos da literatura com quadro clínico arrastado, mas boa resposta à antibioticoterapia.

Este caso reforça a necessidade de se procurar insistentemente o agente etiológico, pois o início precipitado do tratamento, em pacientes que podem aguardar o resultado da cultura ou sua coleta, pode resultar em tratamento ineficaz.

Recebido em 21/04/2004

Aceito em 10/02/2005

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  • Endereço para correspondência

    Juliano Novaes Cardoso
    Rua Ministro Gastão Mesquita, 725/83
    05012-010 - São Paulo, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Set 2005
    • Data do Fascículo
      Jul 2005

    Histórico

    • Aceito
      10 Fev 2005
    • Recebido
      21 Abr 2004
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