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Avaliação da relação neutrófilos/linfócitos em pacientes com suspeita de síndrome coronariana aguda

Resumos

FUNDAMENTO: A contagem total de leucócitos é um marcador de risco independente para eventos cardiovasculares. A relação entre a contagem de neutrófilos e linfócitos (N/L) tem sido explorada como novo preditor de risco cardiovascular, mas seu papel diagnóstico na avaliação de pacientes com suspeita de síndrome coronariana aguda (SCA) é desconhecido. OBJETIVO: Avaliar o valor diagnóstico da relação N/L em pacientes admitidos com suspeita de SCA em uma Unidade de Dor Torácica (UDT). MÉTODOS: Foram avaliados 178 pacientes admitidos com dor torácica, seguindo fluxograma diagnóstico conforme aspectos clínicos, eletrocardiográficos e laboratoriais. Os diagnósticos estabelecidos foram: infarto agudo do miocárdio com (IAMEST) e sem elevação de segmento ST (IAMSEST), angina instável (AI) e dor não-cardíaca (NC). Contagens total e diferencial de leucócitos foram realizadas em amostra de sangue periférico coletada na admissão. RESULTADOS: Pacientes com dor diagnosticada como não-cardíaca apresentaram a menor relação N/L (n = 45; 3,0 ± 1,6), seguidos por AI (n = 65; 3,6 + 2,9), IAMSEST (n = 33; 4,8 ± 3,7) e IAMEST (n = 35; 6,9 ± 5,7) (p < 0,0001). A relação N/L acima de 5,7 (quartil mais elevado) teve especificidade de 91,1%, com odds ratio de 4,51 (intervalo de confiança de 95% [IC 95%], 1,51 a 13,45) para um diagnóstico final de SCA, em comparação com os grupos em quartis menores. CONCLUSÃO: A relação N/L apresenta correlação com o diagnóstico final de pacientes admitidos com suspeita de SCA. Por ser um exame de baixo custo e com boa reprodutibilidade, novos estudos deverão elucidar se a relação poderá ter importância nos fluxogramas diagnósticos atualmente empregados.

Arteriosclerose coronária; dor no peito; neutrófilos; linfócitos


BACKGROUND: Leukocytes total count is an independent risk marker for cardiovascular events. The ratio between neutrophils and lymphocytes (N/L) count has been investigated as a new predictor for cardiovascular risk, although its diagnostic role when assessing patients suspected of an acute coronary syndrome (ACS) condition is not yet known. OBJECTIVE: To evaluate the diagnostic power of N/L ratio in patients who have been admitted at a Chest Pain Unit (CPU) with the suspicion of ACS. METHODS: Evaluation was conducted in 178 patients admitted with chest pain. Diagnostic flowchart including clinical, electrocardiographic, and laboratory data. Diagnosis obtained was: acute myocardial infarction (AMI) with (AMI-STE) and with no segment T elevation (AMI-NSTE), unstable angina (UA ) and non-cardiac pain (NC). Total and differential leukocyte count was conducted in peripheral blood sample collected at admission. RESULTS: Patients diagnosed with non-cardiac pain reported the lowest N/L ratio (n=45; 3.0 ± 1.6), followed by UA (n=65; 3.6 ± 2.9), AMI-NSTE (n=33; 4.8 ± 3.7) and AMI-STE (n=35; 6.9 ± 5.7); p < 0.0001. N/L ratio above 5.7 (highest quartile) reported 91.1% specificity, 4.51 odds ratio (CI 95% 1.51 to 13.45) for the final diagnosis of ACS when compared to the groups at lower quartiles. CONCLUSION: The N/L ratio presents correlation with final diagnosis of patients with suspicion of ACS at admission. Considering this is a low cost, good reproductibility test, new studies should ellucidate whether the ratio may be of relevance for diagnosis flowcharts currently in use.

Coronary arteriosclerosis; chest pain; neutrophiles; lymphocytes


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação da relação neutrófilos/linfócitos em pacientes com suspeita de síndrome coronariana aguda

Ana Denise Zazula; Daniel Précoma-Neto; Aline Maria Gomes; Heidi Kruklis; Giovano Franco Barbieri; Rafael Yared Forte; André Ribeiro Langowiski; Giuseppe Facin; Luiz Cesar Guarita de Souza; José Rocha Faria Neto

Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Hospital da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba - Curitiba, PR - Brasil

Correspondência Correspondência: José Rocha Faria Neto Rua Desembargador Otávio do Amaral, 741/802 - Bigorrilho 80730-400 - Curitiba, PR - Brasil E-mail: jrochafaria@cardiol.br; jose.faria@pucpr.br

RESUMO

FUNDAMENTO: A contagem total de leucócitos é um marcador de risco independente para eventos cardiovasculares. A relação entre a contagem de neutrófilos e linfócitos (N/L) tem sido explorada como novo preditor de risco cardiovascular, mas seu papel diagnóstico na avaliação de pacientes com suspeita de síndrome coronariana aguda (SCA) é desconhecido.

OBJETIVO: Avaliar o valor diagnóstico da relação N/L em pacientes admitidos com suspeita de SCA em uma Unidade de Dor Torácica (UDT).

MÉTODOS: Foram avaliados 178 pacientes admitidos com dor torácica, seguindo fluxograma diagnóstico conforme aspectos clínicos, eletrocardiográficos e laboratoriais. Os diagnósticos estabelecidos foram: infarto agudo do miocárdio com (IAMEST) e sem elevação de segmento ST (IAMSEST), angina instável (AI) e dor não-cardíaca (NC). Contagens total e diferencial de leucócitos foram realizadas em amostra de sangue periférico coletada na admissão.

RESULTADOS: Pacientes com dor diagnosticada como não-cardíaca apresentaram a menor relação N/L (n = 45; 3,0 ± 1,6), seguidos por AI (n = 65; 3,6 + 2,9), IAMSEST (n = 33; 4,8 ± 3,7) e IAMEST (n = 35; 6,9 ± 5,7) (p < 0,0001). A relação N/L acima de 5,7 (quartil mais elevado) teve especificidade de 91,1%, com odds ratio de 4,51 (intervalo de confiança de 95% [IC 95%], 1,51 a 13,45) para um diagnóstico final de SCA, em comparação com os grupos em quartis menores.

CONCLUSÃO: A relação N/L apresenta correlação com o diagnóstico final de pacientes admitidos com suspeita de SCA. Por ser um exame de baixo custo e com boa reprodutibilidade, novos estudos deverão elucidar se a relação poderá ter importância nos fluxogramas diagnósticos atualmente empregados.

Palavras-chave: Arteriosclerose coronária, dor no peito, neutrófilos, linfócitos.

Introdução

A aterosclerose é uma doença multifatorial, que envolve dislipidemia, hiperglicemia, tabagismo, hipertensão e outras causas de lesão endotelial em sua patogênese1,2. A aterogênese representa um processo inflamatório ativo desencadeado por essa injúria endotelial e não uma infiltração passiva de lípides na parede arterial, como descrito inicialmente3,4.

Por tratar-se de uma doença inflamatória, alguns marcadores inflamatórios têm sido propostos para avaliação de risco cardiovascular. Destes, a proteína C-reativa (PCR) tem sido a mais estudada e com maior aplicabilidade na prática clínica5. Entretanto, seu valor preditivo foi recentemente questionado e a necessidade de novos marcadores complementares é evidente6. A contagem total de leucócitos também proporciona a avaliação do estado inflamatório, mas seu resultado, apesar do baixo custo e da ampla disponibilidade, ainda não foi explorado ao seu máximo valor preditivo. Dados recentes sugerem que alguns subtipos específicos de leucócitos têm maior valor preditivo na avaliação do risco cardiovascular, sendo esse valor ainda maior quando se emprega a razão entre o número total de neutrófilos e linfócitos (N/L)7. Em pacientes submetidos a angioplastia, a relação N/L é preditora independente de mortalidade a longo prazo8.

Apesar de dados iniciais demonstrarem a relação N/L como preditora de risco cardiovascular a longo prazo, o papel desse índice no diagnóstico das síndromes coronarianas agudas (SCA) ainda não foi avaliado. O objetivo deste estudo foi avaliar o valor diagnóstico da relação N/L em pacientes com dor torácica e suspeita de SCA.

Métodos

População

Realizou-se estudo prospectivo com pacientes de ambos os sexos, com mais de 18 anos de idade, admitidos com queixa de dor torácica na Unidade de Dor Torácica (UDT) de um Hospital Terciário de Curitiba, no período de setembro de 2005 a dezembro de 2006. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Instituição. O recrutamento ocorreu de maneira consecutiva, após esclarecimento quanto à pesquisa e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). A avaliação do sintoma de dor seguiu fluxograma diagnóstico conforme aspectos clínicos, eletrocardiográficos e de marcadores de necrose miocárdica9. Os diagnósticos estabelecidos foram: infarto agudo do miocárdio (IAM) com elevação do segmento ST (IAMEST), IAM sem elevação do segmento ST (IAMSEST), angina instável (AI) e dor não-cardíaca (NC). Quando necessário, a critério do médico assistente, foi realizado, pré-alta, teste funcional na UDT.

Cálculo Amostral

Pela ausência de estudos prévios semelhantes, foi realizado estudo piloto para o cálculo amostral, em que se detectou diferença do nível de N/L de 0,86 entre os grupos com SCA e com NC (desvio padrão, 1,47). A amostra foi então calculada para detectar essa diferença com a = 0,05 e 1-b = 0,80, e resultou em 47 pacientes em cada grupo (NC e SCA). Os pacientes foram consecutivamente recrutados até que se atingisse o número em ambos os grupos (conseqüentemente, mais pacientes com SCA foram incluídos até que se atingisse o número adequado do grupo com NC).

Critérios de Exclusão

Pacientes com história de trauma, cirurgia, neoplasia ou doenças infecciosas nos 30 dias anteriores à admissão, uso corrente de medicação imunossupressora (inclusive corticóide) e indivíduos não-comunicativos ou incapazes de compreender o TCLE foram excluídos do estudo.

Dados Clínicos

Avaliou-se a presença de fatores de risco, história médica pregressa e uso de medicações concomitantes. Dados clínicos pesquisados incluíram hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes melito (DM), dislipidemia, tabagismo, depressão, história de doença arterial coronariana prévia com passado de angioplastia transluminal coronariana (ATC) ou revascularização miocárdica (RVM) e história familiar precoce de doença arterial coronariana. Hipertensão, diabetes, dislipidemia e depressão foram definidas pela história prévia das co-morbidades ou pelo relato de uso de medicações específicas. História familiar foi definida como relato de familiar de primeiro grau com antecedente de morte por causa cardiovascular, IAM ou RVM antes dos 55 anos de idade para homens e 65 anos para mulheres. Tabagismo foi definido como história de uso de tabaco na admissão ou nos seis meses prévios à consulta.

Análises Laboratoriais

A coleta para avaliação laboratorial foi realizada em amostra de sangue periférico na admissão dos pacientes, com retirada de aproximadamente 3 ml de sangue armazenado em tubo Vacu-tainer contendo ácido etilenodiamino tetra-acético (ETDA), e incluiu hemograma e dosagens de creatina fosfoquinase e creatina fosfoquinase fração MB (CKMB). A contagem total foi realizada utilizando-se analisador hematológico Cell Dyn® pelo método da impedância. A diferenciação dos subtipos foi realizada manualmente, por meio de esfregaço em lâmina. As variáveis de interesse foram a contagem de neutrófilos e a contagem de linfócitos. A relação N/L foi obtida como produto da divisão da contagem total de neutrófilos pela contagem de linfócitos.

Análise Estatística

Para avaliação do valor diagnóstico da relação N/L nas SCA, considerou-se teste positivo quando o valor se enquadrava no quarto quartil (considerando os valores de todos os pacientes incluídos no estudo) e negativo quando nos três quartis inferiores. Foram considerados portadores de SCA os pacientes com diagnóstico de AI, IAMSEST e IAMEST. A partir dessas determinações (teste positivo, teste negativo, doença presente e doença ausente), foram calculados a sensibilidade, a especificidade, o valor preditivo positivo (VPP) e o valor preditivo negativo (VPN) da relação N/L no diagnóstico de SCA, tendo também sido determinada a área sob a curva ROC (receiver operating characteristic curve).

Para comparação das médias entre os dois grupos, foi utilizado o teste t de Student. Para comparação envolvendo mais de dois grupos, foi utilizado o teste ANOVA. Quando a variável não obedeceu à distribuição gaussiana, testes não-paramétricos foram aplicados. Nas comparações entre as proporções, aplicou-se o teste do qui-quadrado. A correlação entre as variáveis contínuas foi determinada pelo teste de correlação de Pearson (ou Spearman, quando a distribuição não foi normal). As contagens total e diferencial, por apresentarem valores com distribuição normal, foram categorizadas em quartis para a análise primária. Valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significativos.

Resultados

Características Clínicas

Foram recrutados 178 pacientes, com média de idade de 60 ± 13 anos, sendo 59% do sexo masculino. O fator de risco mais prevalente foi HAS, seguido por dislipidemia, DM e antecedente de doença arterial coronariana familiar. História prévia de ATC foi relatada por 25% dos pacientes. As características clínicas dos pacientes estão demonstradas na tabela 1.

O diagnóstico observado mais freqüentemente foi o de AI, ocorrendo em 65 pacientes (36% dos casos), seguido pelos diagnósticos de IAMSEST, em 33 pacientes (19%), e de IAMEST, em 35 pacientes (20%), e 45 indivíduos (25%) receberam o diagnóstico de NC. As características clínicas dos pacientes nos diferentes grupos diagnósticos estão apresentadas na tabela 2.

Contagem de Leucócitos e seus Subtipos Conforme o Diagnóstico Final

Na análise da contagem total de leucócitos, evidenciou-se aumento gradativo dos leucócitos, sendo menor nos pacientes com NC (8.825 ± 2.443) e maior nos pacientes com diagnóstico de IAMEST (10.804 ± 3.777) (p < 0,005). De maneira semelhante à contagem total, o número de neutrófilos foi menor nos pacientes com NC (5.921 ± 2.304), intermediário nos pacientes com AI (6.096 ± 2.448) e IAMSEST (6.889 ± 3.187), e maior nos pacientes com IAMEST (9.391 ± 2.960). Entretanto, em relação aos níveis de linfócitos, foram observados valores menores no grupo IAMEST (1.684 ± 592), seguido de IAMSEST (1.794 ± 647), e maiores níveis no grupo NC (2.156 ± 782) (Graf. 1).


A relação N/L esteve diretamente relacionada com o diagnóstico final. Nos pacientes com IAMEST, essa relação foi a mais alta: 6,9 ± 5,7. Nos pacientes com IAMSEST, a relação foi de 4,8 ± 3,7 e naqueles com AI, foi de 3,6 ± 2,9. Nos pacientes nos quais foi descartada causa cardiológica (NC), a relação foi a mais baixa: 3,0 ± 1,6.

Avaliação do Valor Diagnóstico do Teste N/L

A relação N/L acima de 5,7 (quartil mais elevado) apresentou sensibilidade de 31% (intervalo de confiança de 95% [IC 95%]: 23-38%), com especificidade e VPP de 91,1% (IC 95%: 83-99%) para o diagnóstico de SCA. A acurácia do teste foi de 53%. Uma curva ROC foi construída para avaliar a capacidade da relação N/L em predizer a presença de SCA. A área sob a curva ROC obtida foi de 63%.

O valor diagnóstico da contagem total de leucócitos, neutrófilos, linfócitos e da relação N/L foi também estabelecido calculando-se o odds ratio (OR) para o diagnóstico de SCA, comparando pacientes no quartil mais elevado em relação aos demais. O OR da contagem total de leucócitos para os pacientes com SCA e NC foi de 1,23 (IC 95%: 0,55-2,75). Para a contagem de neutrófilos e linfócitos, os valores foram de 2,14 (IC 95%: 0,88-5,23) e 0,47 (IC 95%: 0,22-1,003), respectivamente. Para a relação N/L, o OR foi de 4,51 (IC 95%: 1,51-13,45) (graf. 2).


Considerando que o diagnóstico de IAMEST é basicamente eletrocardiográfico, foram excluídos os 35 pacientes com esse diagnóstico, tendo sido também realizado o cálculo de especificidade e sensibilidade para o diagnóstico de SCA sem elevação de ST (AI e IAMSEST). A sensibilidade manteve-se baixa: 23% (IC 95%: 15-32%). Entretanto, a relação N/L apresentou também alta especificidade (91%; IC 95%: 83-99%) e alto valor preditivo positivo (85%; IC 95%: 72-99%) para o diagnóstico de SCA sem elevação de ST.

Correlação N/L e marcador de necrose miocárdica

Com o intuito de avaliar se estava diretamente associado com a necrose miocárdica, o índice N/L foi correlacionado com a CKMB mais alta obtida na UDT. Houve fraca correlação (Pearson r = 0,48), porém significativa (p < 0,0001), entre as duas variáveis. Entretanto, nos 68 pacientes que apresentavam CKMB acima do limite superior da normalidade, as duas variáveis apresentaram fraca correlação (Pearson r = 0,40; p = ns).

Discussão

Os achados deste estudo demonstram que um índice derivado de um exame simples, de baixo custo e universal contém informações importantes quanto ao risco de os pacientes admitidos com dor torácica estarem apresentando SCA. Em um país em que a falta de recursos impede o acesso de muitos indivíduos aos melhores métodos diagnósticos, a relação N/L pode se tornar um parâmetro adicional na abordagem inicial dos pacientes com suspeita de SCA.

Estima-se que 5% a 10% de todos os atendimentos emergenciais nas salas de emergência nos Estados Unidos, anualmente, sejam decorrentes de dor no peito ou outros sintomas sugestivos de isquemia miocárdica aguda10. No Brasil, não há estimativas estatísticas a esse respeito. Apesar de existirem inúmeras causas de dor torácica, as de origem do sistema cardiocirculatório são as que trazem maiores preocupações aos pacientes e ao profissional de saúde. Na tentativa de melhorar a acurácia diagnóstica e otimizar gastos, as UDTs surgiram como uma nova forma de atendimento emergencial. Métodos diagnósticos de baixo custo e alto valor preditivo no diagnóstico das SCA vão ao encontro dos objetivos das UDTs.

A dosagem elevada de leucócitos mostrou-se preditor independente de SCA na avaliação na sala de emergência de indivíduos com dor torácica sugestiva de doença coronariana, mostrando haver evidências de que os leucócitos atuariam como marcadores do estado inflamatório exacerbado11. Entretanto, poucos estudos têm avaliado o papel dos subtipos de leucócitos na determinação de risco cardiovascular, e os resultados são algo conflitantes. Em um estudo foi demonstrado que os monócitos são as células com maior poder preditor de risco12, enquanto em outros estudos os neutrófilos são apresentados como os maiores preditores de eventos13,14.

Os processos reparativos cicatriciais após IAM sugerem a característica adaptativa dos neutrófilos. Mais recentemente, propôs-se que em resposta aos quadros de isquemia haja aumento da vasculogênese, justificando um processo de adaptação crônica com maior número de neutrófilos circulantes. Por outro lado, no contexto das SCA, a neutrofilia pode estar associada ao processo de formação de agregados entre plaquetas e leucócitos no lúmen intravascular, determinando até mesmo aumento das áreas de extensão de infarto15. Recentemente, em estudos com modelos animais, a invasão neutrofílica da placa aterosclerótica foi visualizada diretamente. Os neutrófilos podem facilitar a ruptura de placa pela liberação de enzimas proteolíticas, derivados do ácido araquidônico e radicais superóxido16. Assim, a elevação dos neutrófilos observada pode não só refletir o estado inflamatório exacerbado encontrado nos pacientes com aterosclerose, mas também estar relacionada ao papel direto dessas células na instabilização da placa aterosclerótica.

Considerando que a placa aterosclerótica é constituída por infiltrados de macrófagos e linfócitos na camada subendotelial, poder-se-ia postular que, para a estabilidade entre os diversos constituintes da placa, aumentos da quantidade de células polimorfonucleares estivessem acompanhados por aumento de células mononucleares. Entretanto, observou-se que os pacientes com IAMEST apresentaram concentração de linfócitos menor que os pacientes com IAMSEST, seguidos dos pacientes com AI e dos com pacientes com NC. Resultados de outros estudos prospectivos demonstram que as concentrações absoluta e relativa dos linfócitos são significativamente menores nos pacientes com eventos cardíacos e que esses pacientes apresentam maior risco de eventos cardíacos no futuro17-19. Essa redução parece estar relacionada ao estresse fisiológico presente nessas condições, determinando aumento da produção de cortisol, o que resulta no decréscimo de linfócitos no sangue periférico20.

Foi demonstrado que a contagem total de leucócitos elevada pós-angioplastia transluminal coronariana (ATC) está associada a aumento de mortalidade7. Mais recentemente, investigou-se a utilidade da relação N/L no seguimento de três anos nos pacientes encaminhados para realização de ATC8. Neste estudo, houve associação forte e independente da relação N/L com a mortalidade dos pacientes submetidos a intervenção percutânea, de maneira independente da indicação, demonstrando que a relação N/L (mas não a contagem total de leucócitos) aumentou a mortalidade a longo prazo. Esses achados apóiam a evidência de que os neutrófilos estejam relacionados a processos isquêmicos, particularmente os de fase aguda.

Neste estudo, não foram avaliados os mecanismos de elevação do índice N/L. Entretanto, a elevação do índice N/L não está relacionada à necrose miocárdica de per si, pois, nos pacientes que apresentaram elevação de CKMB, a correlação desta com o índice N/L foi fraca e sem significância estatística. Estudos em pacientes com doença crônica poderão demonstrar se existe correlação entre esse índice e a extensão da doença coronariana já estabelecida. Afiune e cols.21 demonstraram, em nosso meio, que, dentre todos os subtipos de leucócitos, são os monócitos que se associam a maior presença de doença coronariana. Uma possibilidade é que o índice N/L se apresente como melhor marcador de SCA que os subtipos isolados de leucócitos por refletir dois mecanismos distintos: a neutrofilia refletiria o estado inflamatório sistêmico e, conseqüentemente, o maior risco cardiovascular, e a linfopenia seria o reflexo do estresse agudo presente nas SCA.

A baixa sensibilidade do teste (31%) deixa claro que a relação N/L não terá papel diagnóstico se usada isoladamente. Por outro lado, a alta especificidade e o alto valor preditivo positivo poderão ser de extrema valia em centros onde a avaliação de necrose miocárdica por exames laboratoriais continua sendo unicamente realizada com a dosagem de CKMB. Os dados deste estudo sugerem que indivíduos admitidos com dor torácica aguda e que apresentem elevação significativa da relação N/L talvez necessitem de investigacão mais aprofundada, evitando assim a liberação inadvertida do paciente e, conseqüentemente, complicações posteriores. Estudos de custo-efetividade deverão comprovar essa hipótese.

Este estudo apresenta algumas limitações. Os pacientes com IAMEST foram incluídos na análise, apesar de se saber que o diagnóstico e a decisão terapêutica dos mesmos dependem fundamentalmente apenas da eletrocardiografia. Entretanto, era importante que se conhecesse o comportamento da relação N/L em todos os espectros da SCA. Outra limitação foi o fato de a dosagem de troponina não ter sido realizada nesses pacientes, e, portanto, o diagnóstico foi estabelecido sem esse marcador de alta especificidade e sensibilidade. A dosagem de troponina permitiria ainda melhor avaliação dos grupos AI e IAMSEST. Como o estudo teve o tamanho de sua amostra calculado para detectar a diferença entre pacientes com SCA e aqueles com NC, o papel do índice N/L na diferenciação desses pacientes também foi limitado pelo tamanho da amostra. A detecção de diferenças menores, como a que ocorre entre esses dois grupos, necessita, obviamente, de amostras maiores.

A não realização da dosagem de troponina é uma limitação que comumente ocorre em serviços terciários que prestam atendimento unicamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). É justamente dessa impossibilidade que vem a relevância do estudo: propor um novo marcador de SCA, de baixo custo, ampla acessibilidade e independente de novas tecnologias. Este estudo, portanto, deve ser visto apenas como um gerador de novas hipóteses. Futuros estudos de mecanismo poderão elucidar qual a correta fisiopatologia da elevação dos neutrófilos e, principalmente, da redução de linfócitos nesses pacientes. Da mesma maneira, novos estudos deverão elucidar se a relação N/L poderá ter algum papel nos fluxogramas diagnósticos empregados atualmente nas UDT.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo foi parcialmente financiado por Fundação Araucária.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 19/03/07; revisado recebido em 04/07/07; aceito em 23/07/07.

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  • Correspondência:

    José Rocha Faria Neto
    Rua Desembargador Otávio do Amaral, 741/802 - Bigorrilho
    80730-400 - Curitiba, PR - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Fev 2008
    • Data do Fascículo
      Jan 2008

    Histórico

    • Aceito
      23 Jul 2007
    • Revisado
      04 Jul 2007
    • Recebido
      19 Mar 2007
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