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Custo-efetividade da trombólise pré-hospitalar vs intra-hospitalar no infarto agudo do miocárdio

Resumos

FUNDAMENTO: Existe evidência de que a trombólise pré-hospitalar melhora os desfechos no infarto agudo do miocárdio (IAM) com supradesnivelamento do segmento ST. OBJETIVO: Comparar as relações de custo-efetividade entre trombólise pré-hospitalar e trombólise intra-hospitalar para o IAM com supradesnivelamento do segmento ST, pela perspectiva do Sistema Único de Saúde. MÉTODOS: Modelo analítico de decisão foi utilizado para comparar as duas estratégias. O desfecho do estudo foi "anos de vida ganhos". O uso de recursos e os custos foram estimados pela perspectiva do Sistema Único de Saúde. Árvore de decisão e modelo de Markov foram construídos com resultados de ensaios clínicos publicados. Os custos foram valorados em real (R$), para o ano de 2005. RESULTADOS: Para um horizonte de tempo de vinte anos, a expectativa de vida média com a trombólise pré-hospitalar foi de 11,48 anos e a trombólise intra-hospitalar proporcionou expectativa de vida média de 11,32 anos. Os custos foram de R$ 5.640,00 para a trombólise pré-hospitalar e de R$ 5.816,00 para a trombólise intra-hospitalar. Houve custo adicional de R$ 176,00 por paciente com a trombólise intra-hospitalar. A trombólise pré-hospitalar proporcionou adicional de 0,15 ano de expectativa de vida comparado à trombólise intra-hospitalar. CONCLUSÃO: Esse modelo sugere que, pela perspectiva do Sistema Único de Saúde, implementar a trombólise pré-hospitalar para o IAM com supradesnivelamento do segmento ST pode representar sobrevida extra e menor custo que comparativamente à trombólise intra-hospitalar.

Avaliação de custo-efetividade; terapia trombolítica; infarto do miocárdio


BACKGROUND: There is evidence that prehospital thrombolysis improves the outcome in ST-elevation myocardial infarction (STEMI). OBJECTIVE: This study aimed at comparing the cost-effectiveness of prehospital compared to inhospital thrombolysis for STEMI from the National Health System perspective. METHODS: A decision-analytic model was used to compare these two strategies. The study endpoint was life-years gained. Resource use and costs were estimated from the National Health System perspective. The Decision tree and Markov Model were constructed using the results of published clinical trials. Costs were expressed in Reais (R$), for the year 2005. RESULTS: For a time horizon of 20 years, prehospital thrombolysis had an average life expectancy of 11.48 years and inhospital thrombolysis had an average life expectancy of 11.32 years. Costs were R$ 5,640 for prehospital thrombolysis and R$ 5,816 for inhospital thrombolysis. Inhospital thrombolysis led to an additional cost of R$ 176 per patient. Pre-hospital thrombolysis led to additional 0.15 years of life-expectancy gain compared with inhospital thrombolysis. CONCLUSION: This model suggests that, from the National Health System perspective, implementing prehospital thrombolysis for ST-elevation myocardial infarction (STEMI) may lead to extra survival and fewer costs when compared to inhospital thrombolysis.

Cost-effectiveness evaluation; thrombolytic therapy; myocardial infarction


ARTIGOS ORIGINAIS

Custo-efetividade da trombólise pré-hospitalar vs intra-hospitalar no infarto agudo do miocárdio

Denizar Vianna AraújoI; Bernardo Rangel TuraII; Antonio Luiz BrasileiroII; Heitor Luz NetoIII; Ana Luiza Braz PavãoIV; Vanessa TeichIV

IUniversidade do Estado do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

IIInstituto Nacional de Cardiologia - Ministério da Saúde - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

IIIInstituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia - Ministério da Saúde - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

IVMedInsight - Decisions in Health Care - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Correspondência Correspondência: Denizar Vianna Araújo Av. Visconde Albuquerque, 1400/501 - Leblon 22450-000 - Rio de Janeiro, RJ - Brasil E-mail: denizar@cardiol.br

RESUMO

FUNDAMENTO: Existe evidência de que a trombólise pré-hospitalar melhora os desfechos no infarto agudo do miocárdio (IAM) com supradesnivelamento do segmento ST.

OBJETIVO: Comparar as relações de custo-efetividade entre trombólise pré-hospitalar e trombólise intra-hospitalar para o IAM com supradesnivelamento do segmento ST, pela perspectiva do Sistema Único de Saúde.

MÉTODOS: Modelo analítico de decisão foi utilizado para comparar as duas estratégias. O desfecho do estudo foi "anos de vida ganhos". O uso de recursos e os custos foram estimados pela perspectiva do Sistema Único de Saúde. Árvore de decisão e modelo de Markov foram construídos com resultados de ensaios clínicos publicados. Os custos foram valorados em real (R$), para o ano de 2005.

RESULTADOS: Para um horizonte de tempo de vinte anos, a expectativa de vida média com a trombólise pré-hospitalar foi de 11,48 anos e a trombólise intra-hospitalar proporcionou expectativa de vida média de 11,32 anos. Os custos foram de R$ 5.640,00 para a trombólise pré-hospitalar e de R$ 5.816,00 para a trombólise intra-hospitalar. Houve custo adicional de R$ 176,00 por paciente com a trombólise intra-hospitalar. A trombólise pré-hospitalar proporcionou adicional de 0,15 ano de expectativa de vida comparado à trombólise intra-hospitalar.

CONCLUSÃO: Esse modelo sugere que, pela perspectiva do Sistema Único de Saúde, implementar a trombólise pré-hospitalar para o IAM com supradesnivelamento do segmento ST pode representar sobrevida extra e menor custo que comparativamente à trombólise intra-hospitalar. (Arq Bras Cardiol 2008; 90(2): 100-107)

Palavras-chave: Avaliação de custo-efetividade; terapia trombolítica; infarto do miocárdio.

Introdução

O tempo decorrido entre o início da dor e a terapia trombolítica ainda é um dos fatores determinantes de mortalidade do infarto agudo do miocárdio (IAM) com supradesnivelamento do segmento-ST1. Apesar dos avanços nos recursos tecnológicos e da conscientização da população quanto à necessidade de atendimento precoce em vigência de IAM, o tempo decorrido entre o início dos sintomas e a instituição da terapêutica trombolítica permanece inalterado, com mediana de 2,5 a 3 horas, em cenários favoráveis de acesso da população aos serviços de urgência2.

Alguns estados brasileiros apresentam alta mortalidade por doença isquêmica do coração, a despeito da oferta de leitos do Sistema Único de Saúde (SUS). A capital do Estado do Rio de Janeiro possui a maior rede hospitalar pública do País, porém o Estado apresenta a segunda maior taxa de mortalidade específica por doença isquêmica do coração no Brasil (68,44/100.000 habitantes)3.

Morrison e cols. realizaram metanálise sobre mortalidade hospitalar do IAM com uso da trombólise no ambiente tanto pré-hospitalar como intra-hospitalar4. Os pesquisadores compilaram seis ensaios clínicos controlados randomizados, com total de 6.434 pacientes, e demonstraram que a estratégia de infusão do trombolítico em ambiente pré-hospitalar, realizada por médicos ou paramédicos, possibilitou a antecipação da terapia trombolítica em 60 minutos (104 [7] minutos no pré vs 162 [16] minutos no intra; p = 0,007), com redução global de 17% na mortalidade, comparativamente ao tratamento intra-hospitalar (odds ratio [OR], 0,83; intervalo de confiança de 95% [IC 95%], 0,70-0,98). A tabela 1 sumariza as características dos seis ensaios clínicos controlados randomizados da metanálise.

Em editorial recentemente publicado nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia (ABC), Brasileiro comentou as particularidades do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU)5. Esse serviço foi lançado em setembro de 2003, como principal componente da Política Nacional de Atenção às Urgências do SUS. Apesar desse esforço, ainda não está estruturado, em âmbito nacional, um programa sistematizado para oferecer terapia trombolítica na fase aguda do infarto do miocárdio.

O objetivo deste estudo foi analisar a relação de custo-efetividade da trombólise pré-hospitalar vs intra-hospitalar em pacientes com IAM com supradesnivelamento do segmento ST, no SUS, para contribuir com formuladores de políticas de saúde na implementação desse atendimento no SAMU.

Métodos

Os modelos de análise de decisão clínica são elaborados pela seqüência cronológica de identificação do problema, pela estruturação do problema (árvore de decisão e modelo de Markov), pela parametrização do modelo de decisão (probabilidades de ocorrência dos desfechos, de acordo com análise crítica da literatura), e pela análise do modelo (estimativa dos custos, desfechos e riscos)6.

Foi elaborado modelo analítico de decisão, do tipo árvore de decisão e modelo de Markov, para avaliar e comparar os custos e a efetividade clínica da trombólise pré-hospitalar vs intra-hospitalar em pacientes com IAM com supradesnivelamento do segmento-ST, no cenário do SUS. A figura 1 apresenta a árvore de decisão com os dados probabilísticos de evolução do tratamento do IAM e os dados de custos.


A análise de custo-efetividade mensura o custo em unidades monetárias dividido por uma unidade não-monetária, chamada unidade natural, como, por exemplo, "anos de vida salvos". Ela permite estimar o custo incorrido por unidade de efetividade. Uma intervenção em saúde é dita custo-efetiva se produz benefício clínico justificável para seu custo.

As probabilidades evolutivas da árvore de decisão foram obtidas do modelo econômico desenvolvido por Vale e cols.7, oriundos do ensaio clínico controlado randomizado Grampian Region Early Anistreplase Trial (GREAT)8, utilizado na metanálise realizada por Morrison e cols.4. Os dados de expectativa de vida para o modelo de Markov foram extraídos da tábua de mortalidade do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e ajustados para os diferentes estados, utilizando as proporções extraídas do estudo GREAT8.

Vale e cols.7 elaboraram modelo de análise de decisão para comparar custo e efetividade da trombólise realizada no ambiente pré-hospitalar vs a trombólise intra-hospitalar para tratamento do IAM7. A efetividade foi mensurada em "anos de vida ganhos", com dados obtidos do estudo GREAT, realizado na Escócia entre 1988 e 1991. O trombolítico utilizado no pré-hospitalar foi anistreplase. No intra-hospitalar, foram utilizadas alteplase e heparina para IAM de parede anterior e estreptoquinase e heparina para os outros casos. Os autores encontraram ganho de 0,09 ano no atendimento pré-hospitalar comparado à expectativa de vida no ambiente intra-hospitalar, com custo incremental de £61 por paciente no ambiente pré-hospitalar.

Dados de probabilidade de ocorrência dos eventos

A árvore de decisão do modelo prevê que uma parcela da população pode falecer antes do atendimento médico, em ambiente tanto pré-hospitalar como intra-hospitalar, e que, em função da acurácia diagnóstica dos exames disponíveis para confirmação do IAM, os pacientes são diagnosticados como verdadeiro positivo, falso positivo, verdadeiro negativo e falso negativo. Não existem dados disponíveis na literatura comparando a acurácia do diagnóstico realizado em ambientes pré-hospitalar e intra-hospitalar. Partindo-se da premissa de que a acurácia diagnóstica no ambiente pré-hospitalar é inferior à do ambiente intra-hospitalar e conhecidos os valores de resultados verdadeiro e falso positivos em ambiente intra-hospitalar, foi adotado como fator de conversão o valor de 75% para calcular esses parâmetros para o ambiente pré-hospitalar. Os pacientes com diagnóstico verdadeiro positivo ou falso negativo também são sujeitos a reinfarto. A taxa de reinfarto em 30 dias para pacientes com IAM que não receberam tratamento com trombolítico foi de 16%9. A tabela 2 apresenta as probabilidades utilizadas no modelo.

Dentro desse modelo, os pacientes diagnosticados com IAM podem ser elegíveis ou não para a terapia trombolítica. Caso recebam o trombolítico, os pacientes são tratados com tenecteplase ou estreptoquinase, no pré- e no intra-hospitalar, respectivamente. O tenecteplase foi escolhido no pré-hospitalar por ser o único trombolítico em bolo disponível no Brasil, condição que viabiliza a administração fora do ambiente hospitalar. A estreptoquinase foi a opção no intra-hospitalar pelo menor preço de aquisição no SUS. Os pacientes que não recebem o trombolítico são tratados com medicamentos adjuvantes e terapia de suporte recomendados pelas diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia10.

Os pacientes atendidos no ambiente pré-hospitalar são encaminhados ao hospital para continuidade do tratamento. O tempo médio de internação é de oito dias (tempo médio de internação por IAM no SUS em 2005) para aqueles pacientes verdadeiros positivos, que tenham ou não recebido o trombolítico. O paciente falso negativo retornará em momento posterior ao hospital e será diagnosticado e tratado tardiamente com IAM.

As Diretrizes sobre Tratamento do Infarto Agudo do Miocárdio foram adotadas para estimativa dos recursos utilizados nas estratégias de tratamento pré-hospitalar e intra-hospitalar10. Os recursos foram valorados com os preços governamentais praticados no ano de 2005, no tratamento do IAM, na perspectiva do SUS11.

Dados de custos utilizados no modelo

Os componentes dos custos diretos analisados no modelo foram os custos com atendimento pré-hospitalar realizado pelo SAMU12, atendimento de urgência no hospital, hospitalizações, exames complementares, consultas ambulatoriais de seguimento e medicamentos de uso ambulatorial. Os custos unitários estão apresentados na tabela 3.

A unidade de efetividade empregada no modelo foi "anos de vida salvos", tomando-se como referência a expectativa de vida estabelecida no modelo de decisão elaborado por Vale e cols.7, cujo valor foi corrigido para a tábua de mortalidade da população brasileira, publicada pelo IBGE em 200513.

Os custos de reinfarto e de seguimento considerados no modelo estão apresentados na tabela 4.

A unidade de efetividade mensurada no modelo foi "anos de vida salvos", tomando-se como referência a expectativa de vida estabelecida no modelo econômico desenvolvido por Vale e cols.7, oriundos do estudo GREAT8, cujo valor foi corrigido para a tábua de mortalidade da população brasileira com 63 anos, no ano de 2005, publicada pelo IBGE em 200511.

Os valores esperados de expectativa de vida foram convertidos para taxas de mortalidade anuais. Posteriormente foram calculados os fatores de conversão para os diferentes estados do modelo, como apresentado na tabela 5.

Esses fatores foram utilizados para converter as probabilidades de mortalidade encontradas na tábua de mortalidade do IBGE para os diferentes estados do modelo de Markov. O modelo admitiu que um paciente com suspeita de IAM, porém sem confirmação de IAM, teria a expectativa de vida média do brasileiro.

Ao longo do modelo de Markov, com duração do ciclo de um ano, os pacientes poderiam morrer ou permanecer em seu estado inicial. Os resultados foram calculados para o horizonte de tempo de um ano e de vinte anos.

A análise custo-efetividade realizada foi estabelecida com base na razão de custo-efetividade incremental (RCEI), calculada pela divisão da diferença média de custos entre trombólises pré-hospitalar e intra-hospitalar, e pela diferença de efetividade ("anos de vida salvos"). A árvore de decisão e as análises estatísticas foram conduzidas no programa TreeAge Pro Healthcare (TreeAge Software, Inc., Massachusetts, Estados Unidos), versão 2005. O modelo de Markov foi construído no programa Microsoft Excel®.

Resultados

O modelo de árvore de decisão calculou custos para os diferentes desfechos do modelo em função das características iniciais do paciente, em ambas as estratégias de tratamento. A tabela 6 resume tais custos, correspondentes à abordagem inicial de atendimento e ao tratamento das verdadeiras e falsas suspeitas de IAM.

O modelo de Markov subseqüente considera que os pacientes iniciam o modelo distribuídos pelos estados conforme as proporções apresentadas na tabela 6. De acordo com o estado, são atribuídos diferentes custos de seguimento anual para acompanhamento dos pacientes. Ao longo do modelo, os pacientes morrem por diferentes taxas de mortalidade. Foram calculados os resultados de custo e de expectativa de vida média para os horizontes de tempo de um ano e de vinte anos.

A tabela 7 sumariza os resultados da estimativa de ganho em expectativa de vida e dos custos na análise comparativa de pacientes atendidos nos ambientes pré-hospitalar e intra-hospitalar, sob a perspectiva de um ano e de vinte anos, respectivamente.

A análise de custo-efetividade, na comparação da trombólise pré-hospitalar vs intra-hospitalar, no horizonte de tempo de um ano, demonstrou minimização de custo de R$ 44,90. Para o horizonte de tempo de vinte anos, a minimização de custo foi de R$ 176,72 (valor presente dos custos futuros). Essa condição de menor custo com maior efetividade na comparação entre as duas estratégias de tratamento é chamada dominante.

Discussão

Apesar do avanço nos recursos tecnológicos e dos esforços de conscientização da população quanto à necessidade de atendimento precoce em vigência da suspeita de IAM, o tempo decorrido entre o início dos sintomas e a instituição da terapêutica trombolítica permanece inalterado. Esse cenário é preocupante nas principais capitais brasileiras, em que o deslocamento dos pacientes com suspeita de IAM é complicado por questões logísticas, que impedem o acesso rápido à terapia trombolítica.

A metanálise conduzida por Morrison e cols.4 (nível de evidência grau 114) demonstrou que a estratégia de infusão do trombolítico em ambiente pré-hospitalar, realizada por médicos ou paramédicos, possibilitou a antecipação da terapia trombolítica em 60 minutos, com redução global de 17% na mortalidade, quando comparado ao tratamento intra-hospitalar (OR 0,83; IC 95%, 0,70-0,98).

A European Society of Cardiology, a American Heart Association e a Canadian Cardiovascular Society recomendam, em suas respectivas diretrizes de tratamento do IAM, a estratégia de atendimento pré-hospitalar15-17.

Os coeficientes de mortalidade por IAM nas metrópoles brasileiras, estratificados por idade, apresentam perfis de risco diferentes dos de outros países18. Aproximadamente 50% dos óbitos masculinos por doença arterial coronariana ocorrem na faixa etária abaixo de 65 anos. Nos Estados Unidos, em Cuba e na Inglaterra essa proporção situa-se em torno de 25%19. Essa alta mortalidade em faixas etárias mais jovens representa importante impacto socioeconômico para o Brasil, pois retira o indivíduo precocemente do mercado de trabalho. Uma hipótese para essa alta mortalidade é a falta de acesso ao tratamento na fase aguda do infarto do miocárdio.

Este estudo realizou análise de custo-efetividade ambientada para o cenário do SUS, para comparar a estratégia de infusão do trombolítico em ambiente pré-hospitalar, realizada pelo SAMU, ao tratamento intra-hospitalar convencional. Este estudo teve como objetivo avaliar se o custo inicial com o aparato logístico do SAMU e os custos do trombolítico em bolo proporcionariam redução de custos subseqüentes, como necessidade de re-hospitalização e de procedimentos intervencionistas, pelo melhor manejo do IAM no ambiente pré-hospitalar. O uso do trombolítico em bolo pode ser um facilitador para aumentar o acesso dos pacientes elegíveis à reperfusão farmacológica no ambiente pré-hospitalar. A modelagem sugeriu que, apesar da necessidade de investimento inicial e da menor acurácia diagnóstica do IAM no grupo do atendimento pré-hospitalar, o custo total da coorte hipotética de pacientes acompanhados ao longo de um ano foi menor, se comparado ao do tratamento intra-hospitalar, com ganho de 0,0035 em um ano e de 0,1585 na projeção dos dados para o horizonte de vinte anos. Apesar do preço superior do trombolítico em bolo comparado ao da estreptoquinase, a maior efetividade do primeiro no ambiente pré-hospitalar permite a minimização de custos decorrentes das complicações secundárias à demora na reperfusão dos pacientes com IAM, como insuficiência cardíaca, reinfarto e necessidade de maior número de intervenções de alto custo.

O modelo analítico de decisão desenvolvido por Vale e cols.7 também indicou aumento da expectativa de vida de 0,09 ano no atendimento pré-hospitalar, comparativamente à expectativa de vida no ambiente intra-hospitalar. No entanto, no modelo de Vale e cols.7 os pesquisadores identificaram custo incremental de £61 por paciente no ambiente pré-hospitalar.

Uma limitação deste trabalho reside no fato da necessidade de utilizar dados probabilísticos de desfechos ocorridos em outra população e cenários diferentes do SUS, apesar da utilização de estimativa de recursos e valoração de custos adaptados a nossa realidade. Outra limitação é a ausência de estimativa do custo necessário para capacitação da equipe pré-hospitalar, tais como médicos, enfermeiros e paramédicos, para atendimento de pacientes com IAM e implementação da rotina de trombólise pré-hospitalar.

Esta análise econômica abordou o tratamento de alto custo de uma das complicações da doença aterosclerótica, porém as melhores relações entre o uso do recurso (custo) e o benefício clínico alcançado (efetividade) são obtidas com as estratégias de intervenção na atenção primária, isto é, combater os fatores de risco mais prevalentes para minimizar o desenvolvimento da doença coronariana.

Conclusão

A adoção da estratégia de trombólise pré-hospitalar no IAM, no cenário do SUS, com uso do SAMU, pode reduzir a mortalidade precoce e a morbidade desses pacientes. O benefício de saúde da intervenção, isto é, a possibilidade de reperfusão precoce, pode significar menor custo a médio e longo prazos, pela redução do reinfarto e pela morbidade da cardiopatia isquêmica crônica.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Recebido em 06/05/07; revisado recebido em 27/7/07; aceito em 15/10/07.

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  • Correspondência:

    Denizar Vianna Araújo
    Av. Visconde Albuquerque, 1400/501 - Leblon
    22450-000 - Rio de Janeiro, RJ - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Fev 2008

    Histórico

    • Aceito
      15 Out 2007
    • Revisado
      27 Jul 2007
    • Recebido
      06 Maio 2007
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