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Ultrassonografia e ressonância magnética: estudo comparativo no diagnóstico da esteatose em obesos grau III

Abdominal ultrasound and magnetic resonance imaging: a comparative study on the non-alcoholic fatty liver disease diagnosis in morbidly obese patients

Resumos

OBJETIVOS: Avaliar a concordância entre a ressonância magnética (RM) e a ultrassonografia abdominal (USG) no diagnóstico da doença hepática gordurosa não-alcoólica (DHGNA), bem como a concordância entre cada método com o exame padrão-ouro histopatológico. MÉTODOS: A população estudada foi constituída por 145 pacientes com obesidade grau III (IMC > 40 Kg/m²), de ambos os sexos. O diagnóstico da DHGNA foi realizado por ultrassonografia e ressonância magnética. Em uma subamostra foi realizado o diagnóstico por biópsia hepática (n=40). Para avaliar a concordância entre os diagnósticos por USG e RM, utilizou-se o coeficiente Kappa. RESULTADOS: Observou-se uma concordância fraca entre os dois métodos (Kappa ajustado= 0,27; IC 95%= 0,07-0,39). Foi encontrada uma concordância moderada entre o diagnóstico da doença por USG e biópsia hepática, com 83,3% de resultados concordantes e Kappa ajustado de 0,67. Já a concordância entre o diagnóstico por RM e histopatológico foi ausente, com 53,6% de resultados concordantes e Kappa ajustado de 0,07. CONCLUSÃO: A boa concordância encontrada entre o diagnóstico realizado pela USG e a biópsia hepática reforça a necessidade de condução de mais estudos como os que vêm recomendando uma padronização da avaliação diagnóstica por USG como forma de minimizar a necessidade da realização da biópsia hepática para diagnóstico de formas mais graves da doença.

Ultrassonografia abdominal; Ressonância magnética; Obesidade grau III; Esteatose hepática


OBJECTIVES: To evaluate the concordance between abdominal ultrasound and an MRI (Magnetic Resonance Imaging) in the diagnosis of non-alcoholic fatty liver disease (NAFLD), and concordance of these two methods with the histopathological exam. METHODS: The population studied was comprised of 145 patients with morbid obesity (BMI > 40 Kg/m²), of both genders. NAFLD diagnosis was performed by MRI and Ultrasound. Liver biopsy was performed in a sub-sample (n=40). To evaluate the concordance of these two methods, the kappa coefficient was used. RESULTS: Concordance between both methods (MRI and Ultrasound) was poor and not significant (Kappa adjusted= 0.27; CI 95%= 0.07-0.39.) Nevertheless a slight concordance was found between diagnosis of NAFLD by ultrasound and the hepatic biopsy, with 83.,3% of concordant results and Kappa adjusted= 0.67.Results of an MRI and the histopathological exam were compared and results showed 53.6% of concordant results and kappa adjusted= 0.07. CONCLUSION: The concordance found in the diagnosis performed using the ultrasound method and the hepatic biopsy, shows a need to implement and perform more research on the use of ultrasound to validate and reconsider these methods. This would minimize the need to perform biopsies to detect and diagnose such disease.

Abdominal ultrasound; Magnetic resonance imaging; Morbid obesity; Non-alcoholic fatty liver disease


ARTIGO ORIGINAL

Ultrassonografia e ressonância magnética: estudo comparativo no diagnóstico da esteatose em obesos grau III

Abdominal ultrasound and magnetic resonance imaging: a comparative study on the non-alcoholic fatty liver disease diagnosis in morbidly obese patients

Gabriela Villaça Chaves* * Correspondência: Av. Pau-Brasil, 211-Bl. J - Ilha da Cidade Universitária, Rio de Janeiro - RJ, CEP 21949-900, Fax: (0xx21) 2280-8343/(21) 93170281, gabrielavc@gmail.com ; Sílvia Elaine Pereira; Carlos José Saboya; Caroline Cortes; Rejane Ramalho

Núcleo de Pesquisa em Micronutrientes, Instituto de Nutrição Josué de Castro, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

RESUMO

OBJETIVOS: Avaliar a concordância entre a ressonância magnética (RM) e a ultrassonografia abdominal (USG) no diagnóstico da doença hepática gordurosa não-alcoólica (DHGNA), bem como a concordância entre cada método com o exame padrão-ouro histopatológico.

MÉTODOS: A população estudada foi constituída por 145 pacientes com obesidade grau III (IMC > 40 Kg/m2), de ambos os sexos. O diagnóstico da DHGNA foi realizado por ultrassonografia e ressonância magnética. Em uma subamostra foi realizado o diagnóstico por biópsia hepática (n=40). Para avaliar a concordância entre os diagnósticos por USG e RM, utilizou-se o coeficiente Kappa.

RESULTADOS: Observou-se uma concordância fraca entre os dois métodos (Kappa ajustado= 0,27; IC 95%= 0,07-0,39). Foi encontrada uma concordância moderada entre o diagnóstico da doença por USG e biópsia hepática, com 83,3% de resultados concordantes e Kappa ajustado de 0,67. Já a concordância entre o diagnóstico por RM e histopatológico foi ausente, com 53,6% de resultados concordantes e Kappa ajustado de 0,07.

CONCLUSÃO: A boa concordância encontrada entre o diagnóstico realizado pela USG e a biópsia hepática reforça a necessidade de condução de mais estudos como os que vêm recomendando uma padronização da avaliação diagnóstica por USG como forma de minimizar a necessidade da realização da biópsia hepática para diagnóstico de formas mais graves da doença.

Unitermos: Ultrassonografia abdominal. Ressonância magnética. Obesidade grau III. Esteatose hepática.

SUMMARY

OBJECTIVES: To evaluate the concordance between abdominal ultrasound and an MRI (Magnetic Resonance Imaging) in the diagnosis of non-alcoholic fatty liver disease (NAFLD), and concordance of these two methods with the histopathological exam.

METHODS: The population studied was comprised of 145 patients with morbid obesity (BMI > 40 Kg/m2), of both genders. NAFLD diagnosis was performed by MRI and Ultrasound. Liver biopsy was performed in a sub-sample (n=40). To evaluate the concordance of these two methods, the kappa coefficient was used.

RESULTS: Concordance between both methods (MRI and Ultrasound) was poor and not significant (Kappa adjusted= 0.27; CI 95%= 0.07-0.39.) Nevertheless a slight concordance was found between diagnosis of NAFLD by ultrasound and the hepatic biopsy, with 83.,3% of concordant results and Kappa adjusted= 0.67.Results of an MRI and the histopathological exam were compared and results showed 53.6% of concordant results and kappa adjusted= 0.07.

CONCLUSION: The concordance found in the diagnosis performed using the ultrasound method and the hepatic biopsy, shows a need to implement and perform more research on the use of ultrasound to validate and reconsider these methods. This would minimize the need to perform biopsies to detect and diagnose such disease.

Key words: Abdominal ultrasound. Magnetic resonance imaging. Morbid obesity. Non-alcoholic fatty liver disease.

Introdução

A DHGNA apresenta um amplo aspecto histológico, que resulta da deposição de triglicerídeos nos hepatócitos. Compreende um espectro de alterações patológicas semelhantes às observadas nas hepatopatias alcoólicas, mas ocorrendo em indivíduos não-etilistas. Essas alterações variam de simples esteatose a esteato-hepatite não-alcoólica (EHNA), fibrose e cirrose1.

Os métodos de imagem como a ultrassonografia (USG), ressonância magnética (RM) e tomografia computadorizada (TC) são úteis na detecção de esteatose moderada a grave. Entretanto, a acurácia da avaliação radiológica da DHGNA e sua utilidade no manejo da doença carecem de maiores informações e a habilidade destas modalidades radiológicas em distinguir as diferentes formas de DHGNA não é conhecida2.

A sensibilidade e especificidade da ultrassonografia abdominal em detectar mais de 33% de esteatose está entre 60% e 94% e 88 e 95%, respectivamente. Entretanto, com o aumento do IMC esta sensibilidade e especificidade caem para 49% e 75%, respectivamente, em indivíduos com obesidade grau III3.

A RM é mais sensível que a USG e a TC na avaliação da esteatose hepática. Entretanto, devido ao modesto aumento na acurácia do diagnóstico e, em contrapartida, ao grande aumento no custo da realização deste exame, a USG é o método mais usado de diagnóstico por imagem4. Porém, em indivíduos com obesidade grau III, a grande quantidade de gordura na região abdominal pode dificultar a avaliação da esteatose na USG, podendo ser mais indicada a utilização da RM.

Nenhuma modalidade de diagnóstico por imagem é capaz de detectar fibrose e inflamação hepática, não podendo ser feita através destes métodos a diferenciação entre os subtipos histológicos da esteatose hepática não-alcoólica relativamente benigna e as formas mais agressivas da EHNA5. Para essa finalidade é necessária a realização da biópsia hepática6.

Saadeh et al2, num estudo que comparou a utilidade dos métodos de avaliação radiológica na avaliação da esteatose hepática, observaram que nenhum dos métodos diagnósticos foi capaz de detectar pacientes com diagnóstico histopatológico de EHNA. Além disso, só foi possível detectar a presença de esteatose nos casos em que havia mais de 33% de gordura depositada no fígado. A USG e a TC tiveram sensibilidade de 100% e 93% para detectar mais de 33% de acúmulo de gordura hepática. Nenhum dos métodos diagnósticos foi capaz de detectar presença de corpúsculos de Mallory, degeneração balonizante dos hepatócitos e fibrose, importantes no estabelecimento do diagnóstico da EHNA.

Dessa forma, os achados histológicos permanecem o padrão-ouro para estabelecimento do diagnóstico da doença, já que a acurácia dos componentes clínicos, importantes para o diagnóstico da doença, também ainda não estão bem estabelecidos7.

Há, no entanto, grande discussão no sentido de esclarecer qual população de pacientes se beneficiaria com a realização da biópsia hepática, devido ao custo e riscos deste procedimento, bem como a ausência de uma terapia específica de tratamento para a doença8.

Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi avaliar a concordância entre a RM e a USG no diagnóstico da DHGNA, bem como a acurácia destes métodos através da utilização do exame histopatológico como padrão-ouro.

Métodos

Para avaliação do estado nutricional foram utilizados os indicadores peso e altura. O peso corporal foi mensurado por meio de balança eletrônica tipo plataforma (welmy), com capacidade máxima de 300 Kg. A estatura foi obtida mediante a utilização de estadiômetro, com o indivíduo em pé, descalço, com os calcanhares juntos, costas eretas e os braços estendidos ao lado do corpo9. O IMC foi calculado a partir da seguinte fórmula: peso corporal atual (kg) / estatura (m2)9. Os pontos de corte adotados foram os recomendados pela WHO10 para classificação de eutrofia e sobrepeso, sendo os integrantes do estudo classificados em obesidade grau III, comIMC > 40,0 kg/m2. O presente estudo propôs a categorização dos indivíduos em sub-classes de IMC, sendo a amostra distribuída em classes intervalares de 5 kg/m2, dando origem a cinco faixas: faixa 1 para aqueles entre 40 e 44,9 kg/m2, faixa 2 aqueles entre 45 e 49,9 kg/m2, faixa 3 entre 50 e 54,9 kg/m2, faixa 4 aqueles entre 55 e 59,9 kg/m2, e faixa 5 para aqueles entre 60 a 64,9 kg/m2.

Foram utilizados os exames de diagnóstico por imagem para diagnóstico da DHGNA: USG e RM, avaliados por um mesmo membro da equipe de pesquisa11. Em uma subamostra da população estudada, foi realizada a avaliação histológica por biópsia hepática12.

A avaliação histológica ocorreu na subamostra composta por 40 pacientes submetidos ao processo cirúrgico para o tratamento da obesidade, por meio da retirada de 4 mm de espessura do lobo esquerdo do fígado, obtida através de punção com agulha (Biópsia percutânea), tendo sido as biópsias realizadas pelo cirurgião. A avaliação foi realizada por um mesmo patologista, que não tinha conhecimento dos dados clínicos e bioquímicos dos pacientes, através da coloração das peças por hematoxilina-eosina, tricrômico de Masson e Perl's. O hematoxilina-eosina permite visualizar de forma geral a arquitetura acinar, infiltrados inflamatórios e alterações em hepatócitos. O Masson verifica a presenca de fibrose, seja portal, peri-sinusoidal ou ao redor de veias centrolobulares. Já o Perl's verifica a presença de depósitos de ferro12.

A graduação da DHGNA e estadiamento da fibrose hepática foi dada segundo a proposta de Brunt et al.12. A graduação foi realizada considerando a presença de esteatose macrovesicular (esteatose simples) e a atividade necroinflamatória (presença de EHNA), sendo:

Esteatose macrovesicular - Grau 0: sem estatose; Grau 1 (leve): < 33% de acúmulo de gordura nos hepatócitos; Grau 2 (moderada): entre 33% e 66% dos hepatócitos afetados; Grau 3 (grave): > 66% dos hepatócitos afetados.

Atividade Necroinflamatória (EHNA) - Grau 1 (leve): esteatose predominantemente macrovesicular, envolvendo mais de 66% dos lóbulos, presença ocasional de balonização dos hepatócitos na Zona 3, inflamação lobular dispersa com inflamação aguda leve (células polimorfonucleares) e ocasionalmente inflamação crônica (células mononucleares), ausência ou presença leve de inflamação portal; Grau 2 (moderada): esteatose em qualquer grau, balonização evidentena Zona 3 dos hepatócitos, presença de células polimorfonucleares associadas aos hepatócitos balonizados, fibrose pericelular, podendo ocorrer inflamação crônica leve, inflamação portal e intra-acinar leve a moderada; Grau 3 (grave): esteatose paracinar envolvendo mais de 66% dos lóbulos, com presença de esteatose macro e microvesicular, balonização predominantemente na Zona 3 dos hepatócitos, inflamação lobular aguda e crônica dispersas, células polimorfonucleares podem estar concentradas na Zona 3 de balonização, presença de fibrose persinusoidal e inflamação portal leve a moderada.

A análise estatística foi realizada pelo programa estatístico SPSS, versão 10.0.

A concordância entre os métodos radiológicos de diagnóstico da DHGNA e entre cada método com o padrão-ouro biópsia hepática foi medida pelo cálculo do coeficiente de Kappa tradicional (IC 95%). O coeficiente de Kappa ajustado pela prevalência (IC 95%) foi calculado a partir do programa PEPI, disponível na Internet (http://www.usd-inc.com/pepi.html). A concordância medida pelo Kappa seguiu a orientação da literatura especializada: kappa < 0,10 ausente; de 0,11 a 0,40 fraca; de 0,41 a 0,60 discreta; de 0,61 a 0,80 moderada; de 0,81 a 0,99 substancial e 1,00 concordância perfeita (Fleiss, 1981; Streiner & Norman, 1995).

Este trabalho teve aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho.

Resultados

A amostra foi composta de 145 pacientes, sendo 44 (30,3%) do sexo masculino e 101 (69,7%) do sexo feminino. A média de idade dos indivíduos foi de 36,5 ± 11,7 anos, variando de 19 anos a 64 anos.

A prevalência de DHGNA no grupo estudado foi de 71%, considerando o diagnóstico por quaisquer dos dois métodos de imagem utilizados (RM ou USG). O diagnóstico da DHGNA foi positivo em 75% e 69,3% dos homens e mulheres, respectivamente, sem diferença estatística (p=0,553) (Tabela I).

Pode-se observar um aumento na prevalência da DHGNA nas faixas etárias mais elevadas (p=0,034, teste Qui quadrado). É possível observar ainda uma maior prevalência da DHGNA conforme aumenta o IMC, ainda que sem significância estatística (p=0,388, teste Qui quadrado).

Nas classes mais elevadas de IMC, especialmente entre as faixas de 50-54,9 Kg/m2 e 55-59,9 Kg/m2, a USG diagnosticou um maior percentual de DHGNA (p=0,050, teste Qui quadrado), quando comparado com a RM.

Na subamostra que foi realizada biópsia hepática para avaliação histológica da DHGNA (n=40), 100% tinham o diagnóstico de DHGNA, sendo 16 pacientes (40%) com esteatose leve, sete pacientes (17,5%) com esteatose moderada, 15 pacientes (37,5%) com EHNA e dois pacientes (5,0%) com cirrose hepática.

Para avaliar a concordância entre os diagnósticos por USG e RM, utilizou-se o coeficiente Kappa ajustado pela prevalência da doença. Observou-se uma concordância fraca entre os dois métodos (Kappa ajustado= 0,27; IC 95%= 0,07-0,39). A concordância encontrada foi de 63,4%.

Não foi possível realizar testes de sensibilidade e especificidade, assim como os valores preditivos positivos e negativos para cada exame radiológico, uma vez que não houve resultados negativos para a doença no exame histopatológico, utilizado como o padrão-ouro para diagnóstico da DHGNA. Dessa forma, não há como calcular os possíveis falsos-positivos ou falsos-negativos.

Contudo, foi calculado o grau de concordância entre a USG e RM com o resultado obtido no exame histopatológico, através do coeficiente Kappa. A totalidade dos indivíduos que realizaram biópsia (n=40) tinha DHGNA em algum grau. Foi encontrada uma concordância moderada entre o diagnóstico da doença por USG e biópsia hepática, com 83,3% de resultados concordantes e Kappa ajustado de 0,67. Já a concordância entre o diagnóstico por RM e histopatológico foi ausente, com 53,6% de resultados concordantes e Kappa ajustado de 0,07.

Foi possível identificar ainda que, na maioria dos casos em que a USG ou a RM não identificaram a doença, o resultado da biópsia hepática foi o de esteatose leve (60% e 69,2%, respectivamente).

Discussão

Os resultados da biópsia hepática (n=40) demonstraram que 100% dos indivíduos tinham DHGNA, com 40% apresentando esteatose simples, 17,5% esteatose moderada, 37,5% EHNA e 5% com cirrose hepática. A prevalência da EHNA na população em geral gira em torno de 3%, aumentando para 20%-40% em indivíduos obesos13. Chitturi et al.14, estudando 30 indivíduos com obesidade grau III, encontraram prevalência de DHGNA confirmada por histologia em 96% da amostra, com 56% apresentando EHNA. No Brasil, Almeida15 avaliou 60 indivíduos com obesidade grau III por critério histológico e encontrou prevalências de DHGNA semelhantes às do presente estudo: 46,7%, 36,7% e 5% de esteatose simples, EHNA e cirrose, respectivamente.

A verdadeira prevalência da DHGNA na obesidade grau III ainda é pouco clara e pode estar sendo subestimada, principalmente pela falta de um teste diagnóstico mais preciso. As anormalidades clínicas e bioquímicas características da DHGNA não permitem um diagnóstico acurado das formas mais graves da doença, permanecendo a biópsia hepática como o padrão-ouro para este fim16,17. Na prática clínica, há a necessidade da diferenciação entre a EHNA e a esteatose simples, pelo fato de a EHNA ser uma forma mais agressiva da DHGNA e poder progredir para fibrose hepática e estágios irreversíveis da doença hepática18.

No presente estudo, a DHGNA foi diagnosticada através de métodos de imagem, que possuem menor sensibilidade, uma vez que é necessário um mínimo de 33% de acúmulo de gordura nos hepatócitos para que esta seja detectável por estes exames2. Além disso, as modalidades radiológicas não são capazes de distinguir as diversas formas de DHGNA, o que é fundamental no prognóstico da doença, visto que cerca de 15% a 20% dos indivíduos com esteatose simples evoluem para EHNA19.

Confrontando o diagnóstico da DHGNA entre os testes radiológicos utilizados no presente estudo com o exame histopatológico, observou-se que a USG detectou mais casos da doença que a RM. A concordância entre a USG e o padrão-ouro foi forte, enquanto a concordância deste com a RM foi fraca. A concordância entre os dois métodos radiológicos foi fraca, confirmando o maior poder diagnóstico da USG. Contudo, quando se considerou o estadiamento da DHGNA, observou-se que, nos dois testes de imagem, o número de erros no diagnóstico foi mais elevado na esteatose leve, corroborando os achados de Saadeh et al2, que encontraram um ponto de corte de 33% de acúmulo de gordura no tecido hepático para que a doença fosse detectável pelos testes radiológicos em obesos grau III.

A USG é um exame vantajoso com relação à RM no diagnóstico da doença, por ser de mais baixo custo, de mais fácil acesso ao paciente, além de não apresentar riscos. A OMS20 recomenda a utilização de métodos diagnósticos com essas características, por serem de mais fácil utilização em estudos populacionais. Mottin et al21 mostraram sensibilidade e especificidade da USG de 49,1% e 75%, respectivamente, com valor preditivo positivo de 95,4%, indicando a validade deste teste diagnóstico na obesidade grau III. A baixa sensibilidade do teste foi atribuída à dificuldade da realização do exame em indivíduos com obesidade grau III, pela grande quantidade de gordura na região abdominal. Entretanto, a USG pode detectar a presença da esteatose e demonstrar de forma confiável o grau de redução desta após restrição energética21,22,23.

Poucos estudos comparam a diferenciação entre EHNA e esteatose simples por exame de USG. Saadeh et al2 sugerem que não existe diferença aparente entre as diferentes formas da DHGNA ao exame radiológico. Entretanto, no referido estudo, a avaliação foi limitada a um pequeno número de casos e somente achados qualitativos da gordura hepática foram descritos.

Liang et al.24 propuseram um sistema quantitativo que utiliza vários parâmetros da USG e sugeriram um score que determinasse a eficácia deste exame na diferenciação da EHNA. O sistema foi baseado nos diversos graus de textura acústica e ecogenicidade do parênquima, veias portas, veias hepáticas e vias biliares intra-hepáticas e extra-hepáticas para definir a gravidade do acúmulo de gordura hepático, comparando os resultados com o exame histopatológico. O sistema proposto se correlacionou significativamente com os diagnósticos de esteatose simples, fibrose e EHNA pelo exame histológico. Foi determinado ainda um ponto de corte para predizer a presença de EHNA com valores de sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e acurácia de 72%, 86%, 93% e 76%, respectivamente. Os autores concluíram que este sistema mostrou boa sensibilidade e especificidade na detecção da presença de EHNA em obesos grau III, podendo ser útil na seleção dos pacientes que merecem mais atenção no acompanhamento clínico sem a necessidade da realização de biópsia hepática.

Bernal-Reyes et al.25 sugerem que a combinação da USG com níveis séricos elevados de alanina aminotransferase (ALT) possui uma utilidade maior no diagnóstico da NASH em indivíduos que possuem maior risco ao desenvolvimento desta forma de DHGNA, como diabéticos e obesos (Sensibilidade=80%, especificidade=100%, valor preditivo positivo=100% e valor preditivo negativo= 83%).

Conclusão

Considerando a boa concordância encontrada entre o diagnóstico da DHGNA realizado pela USG e a biópsia hepática, reforça a importância da condução de mais estudos com a utilização deste exame associado a parâmetros bioquímicos como forma de potencializar seu efeito diagnóstico e assim minimizar a necessidade da realização da biópsia hepática para diagnóstico de formas mais graves da doença.

Agradecimento

Este estudo foi apoiado pela FAPERJ e CNPq.

Conflito de interesse: Não há

Artigo recebido: 09/09/07

Aceito para publicação: 15/04/08

Trabalho realizado na Clínica Carlos Saboya, Rio de Janeiro, RJ

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    Correspondência: Av. Pau-Brasil, 211-Bl. J - Ilha da Cidade Universitária, Rio de Janeiro - RJ, CEP 21949-900, Fax: (0xx21) 2280-8343/(21) 93170281,
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Abr 2009
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Aceito
      15 Abr 2008
    • Recebido
      09 Set 2007
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