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Nível socioeconômico e sua influência sobre a prevalência de sobrepeso e obesidade em escolares adolescentes do município de Fortaleza

Socioeconomic status and its influence on the prevalence of overweight and obesity among adolescent school children in the city of Fortaleza, Brazil

Resumos

OBJETIVOS: Analisar a relação entre o nível socioeconômico e a prevalência de sobrepeso e obesidade em adolescentes escolares do ensino público e privado do Município de Fortaleza. MÉTODOS: Realizou-se um estudo de corte transversal com 1.158 adolescentes, sendo 587 das escolas privadas e 571 das escolas públicas. Foram avaliados o índice de massa corporal e o nível socioeconômico das famílias pelo Critérios de Classificação Econômica do Brasil. RESULTADOS: Foi encontrada maior prevalência de sobrepeso/obesidade nas classes de maior nível socioeconômico (24,8%) em relação às de menor nível (17,4%). Os rapazes de maior nível socioeconômico tiveram maiores taxas de prevalência de sobrepeso/obesidade do que os de menor nível, fato que não foi observado entre as adolescentes. Constatou-se que, na fase de 10 a 14 anos, o excesso de peso era mais freqüente nas classes mais altas, não acontecendo essa diferença entre 15 a 19 anos. CONCLUSÃO: Conclui-se que a prevalência de sobrepeso/obesidade em adolescentes do Município de Fortaleza é maior nos estratos sociais mais elevados, tendo os adolescentes masculinos apresentado uma relação diretamente proporcional entre o nível socioeconômico e o excesso de peso, o que não foi constatado no sexo feminino.

adolescente; estado nutricional; fatores socioeconômicos; obesidade


OBJECTIVE: The aim of this study was to analyze the relationship between socioeconomic status and prevalence of overweight and obesity among adolescents in public and private schools in the city of Fortaleza, Brazil. METHODS: This is a cross-sectional study with 1 ,158 adolescents, 587 from private schools and 571 from public schools. The body mass index and the socioeconomic status of the family using the Economic Classification Criteria of Brazil were determined. RESULTS: Overweight and obesity were found to be more prevalent among wealthier families (24.8%) than among poorer families (17.4%). Males of wealthier families were more likely to be overweight and obese than those of poorer families; the same was not observed among females. Among the adolescents aging 10 to 14 years, excess weight was more common in the wealthier families, but the same was not observed among adolescents aging from 15 to 19 years. CONCLUSION: The prevalence of overweight and obesity of adolescents in the City of Fortaleza is higher in wealthier families; male adolescents presented a direct proportional relationship between socioeconomic status and excess weight, which was not evidenced among females.

adolescent; nutritional status; socioeconomic factors; obesity


ORIGINAL ORIGINAL

Nível socioeconômico e sua influência sobre a prevalência de sobrepeso e obesidade em escolares adolescentes do município de Fortaleza1 1 Artigo elaborado a partir da dissertação de L.A. CAMPOS, intitulada "Prevalência de sobrepeso e obesidade em adolescentes escolares do Município de Fortaleza". Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará; 2004. 2 Correspondência para/ Correspondence to: L.A. CAMPOS. E-mail: < liciocampos@terra.com.br>.

Socioeconomic status and its influence on the prevalence of overweight and obesity among adolescent school children in the city of Fortaleza, Brazil

Lício de Albuquerque CamposI,2 1 Artigo elaborado a partir da dissertação de L.A. CAMPOS, intitulada "Prevalência de sobrepeso e obesidade em adolescentes escolares do Município de Fortaleza". Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará; 2004. 2 Correspondência para/ Correspondence to: L.A. CAMPOS. E-mail: < liciocampos@terra.com.br>. ; Álvaro Jorge Madeiro LeiteI; Paulo César de AlmeidaII

IDepartamento Materno-Infantil, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará. Rua Prof. Costa Mendes, 1608, 2º andar, Rodolfo Teófilo, 60430-140, Fortaleza, CE, Brasil

IICentro de Ciências da Saúde, Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza, CE, Brasil

RESUMO

OBJETIVOS: Analisar a relação entre o nível socioeconômico e a prevalência de sobrepeso e obesidade em adolescentes escolares do ensino público e privado do Município de Fortaleza.

MÉTODOS: Realizou-se um estudo de corte transversal com 1.158 adolescentes, sendo 587 das escolas privadas e 571 das escolas públicas. Foram avaliados o índice de massa corporal e o nível socioeconômico das famílias pelo Critérios de Classificação Econômica do Brasil.

RESULTADOS: Foi encontrada maior prevalência de sobrepeso/obesidade nas classes de maior nível socioeconômico (24,8%) em relação às de menor nível (17,4%). Os rapazes de maior nível socioeconômico tiveram maiores taxas de prevalência de sobrepeso/obesidade do que os de menor nível, fato que não foi observado entre as adolescentes. Constatou-se que, na fase de 10 a 14 anos, o excesso de peso era mais freqüente nas classes mais altas, não acontecendo essa diferença entre 15 a 19 anos.

CONCLUSÃO: Conclui-se que a prevalência de sobrepeso/obesidade em adolescentes do Município de Fortaleza é maior nos estratos sociais mais elevados, tendo os adolescentes masculinos apresentado uma relação diretamente proporcional entre o nível socioeconômico e o excesso de peso, o que não foi constatado no sexo feminino.

Termos de indexação: adolescente; estado nutricional; fatores socioeconômicos; obesidade.

ABSTRACT

OBJECTIVE: The aim of this study was to analyze the relationship between socioeconomic status and prevalence of overweight and obesity among adolescents in public and private schools in the city of Fortaleza, Brazil.

METHODS: This is a cross-sectional study with 1 ,158 adolescents, 587 from private schools and 571 from public schools. The body mass index and the socioeconomic status of the family using the Economic Classification Criteria of Brazil were determined.

RESULTS: Overweight and obesity were found to be more prevalent among wealthier families (24.8%) than among poorer families (17.4%). Males of wealthier families were more likely to be overweight and obese than those of poorer families; the same was not observed among females. Among the adolescents aging 10 to 14 years, excess weight was more common in the wealthier families, but the same was not observed among adolescents aging from 15 to 19 years.

CONCLUSION: The prevalence of overweight and obesity of adolescents in the City of Fortaleza is higher in wealthier families; male adolescents presented a direct proportional relationship between socioeconomic status and excess weight, which was not evidenced among females.

Indexing terms: adolescent; nutritional status; socioeconomic factors; obesity.

INTRODUÇÃO

A obesidade, nos últimos anos, vem assumindo um caráter epidêmico e preocupante1, uma vez que constitui fator de risco para agravos, tais como: hipertensão arterial, hiperlipoproteinemias, doenças coronarianas, osteoarticulares, diabetes e alguns tipos de câncer2,3.

A etiologia da obesidade é de determinação difícil, apesar do crescente número de estudos realizados com esse objetivo. A dificuldade decorre do fato de ela ser uma doença multifatorial, havendo contribuições relacionadas ao estilo de vida, bem como a aspectos fisiológicos4. A prevalência global sugere importante influência de fatores externos associados à predisposição genética5.

A literatura médica mostra um grande número de estudos relacionando obesidade e nível socioeconômico, contudo pouco se estuda sobre essa relação em crianças e adolescentes6,7.

Sobal & Stunkard8, revisando 140 publicações, mostraram que existe uma associação inversa entre o nível socioeconômico e o excesso de peso em mulheres de países desenvolvidos. Essa relação não é bem definida para homens e crianças. Em países em desenvolvimento, a obesidade é associada ao maior nível socioeconômico.

A repercussão da obesidade deve ser percebida nos âmbitos individual e coletivo, em face das suas implicações globais. Estima-se que apenas o tratamento da obesidade e de suas conseqüências consuma de 2% a 7% do total de gastos em saúde nos países desenvolvidos2.

As informações sobre a prevalência da obesidade infantil no Brasil ainda não estão bem definidas, conseqüência direta da escassez de estudos epidemiológicos e da ausência de uniformidade de critérios na definição de obesidade nessa faixa etária9.

Wang et al.10, avaliando a evolução da prevalência de obesidade nos inquéritos nacionais de 1975, o Estudo Nacional de Despesa Familiar11, e 1997, a Pesquisa sobre Padrões de Vida12, encontraram aumento de 3,7% para 12,6% de sobrepeso na faixa etária de 10 a 18 anos.

Considerando os poucos estudos enfocando a relação entre obesidade e estrato socioeconômico, principalmente no Nordeste brasileiro, esta investigação foi realizada com o objetivo de estimar a influência do nível socioeconômico na prevalência de sobrepeso e obesidade em escolares adolescentes do Município de Fortaleza.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo de corte transversal representativo de adolescentes escolares do Município de Fortaleza, no período de março a maio de 2003. A rede de ensino tinha um universo de 377.461 adolescentes13, na faixa de idade de 10 a 19 anos, matriculados nas escolas do ensino público e privado. A amostra foi selecionada de forma representativa dos que freqüentavam da 5ª série do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio.

O tamanho amostral foi determinado com auxílio do programa Epi Info, versão 6.04. Levou-se em consideração um estudo prévio realizado com alunos de escolas públicas em Fortaleza14, onde a prevalência encontrada de sobrepeso/obesidade nos adolescentes foi de 11%. Na definição desta população de estudo, foi considerado um erro amostral de 2% e o nível de significância estabelecido em 5%. O número de participantes calculado foi de 938, contudo o estudo foi realizado com 1.158 adolescentes. Esta amostra foi dividida eqüitativamente entre as escolas públicas e privadas, com o objetivo de que cada amostra, em separado, pudesse alcançar poder estatístico. Assim, foram estudados 587 alunos das escolas privadas e 571 alunos das escolas públicas.

Os procedimentos para determinação da amostra em cada grupo de escolas foram os seguintes: 1) sendo a cidade de Fortaleza dividida em seis regionais com populações numericamente semelhantes, foi sorteada uma escola pública em cada regional. 2) As escolas particulares foram classificadas, conforme o valor da mensalidade, em quatro grupos: grupo 1= até 50% do salário mínimo; grupo 2= de ½ até 1 salário mínimo; grupo 3= de 1 até 1 e ½ salário mínimo e grupo 4= acima de 1 e ½ salário mínimo. Em cada grupo escolheu-se aleatoriamente uma escola. 3) Em cada escola foi sorteada uma turma de cada série. Em cada turma os alunos foram escolhidos conforme tabela de números randômicos, com base na ordenação existente na caderneta escolar. Na ausência de determinado aluno, o próximo número da tabela foi escolhido até alcançar, aproximadamente, 20 e 14 alunos por turma, respectivamente, para as escolas privadas e públicas.

A coleta de dados envolveu a obtenção das seguintes informações: sexo, faixa etária, situação escolar (privada ou pública), nível socioeconômico, dados antropométricos e avaliação de doenças, tais como: endocrinopatias, cardiopatias, genéticas e osteomusculares (critérios de exclusão).

Na determinação do nível socioeconômico das famílias, foram empregados os "Critérios de Classificação Econômica do Brasil" estabelecidos em 1977, pela Associação Brasileira de Antropologia e Associação Nacional de Empresas de Pesquisas (ANEP), de acordo com o banco de dados do Levantamento Socioeconômico (LSE)15 de 1993, do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE). A avaliação considera o grau de instrução do chefe da família e a presença de determinados bens (televisor em cores, rádio, banheiro, automóvel, empregada mensalista, aspirador de pó, máquina de lavar, videocassete e/ou DVD, geladeira e freezer), estabelecendo pontuações correspondentes às seguintes classes: A1, A2, B1, B2, C, D e E.

A partir dos itens da classificação do IBOPE, realizou-se uma nova divisão, assumindo a posição de que as classes A1, A2, B1 e B2 representavam as de maior nível socioeconômico e as classes C, D e E as de menor nível socioeconômico.

As medidas antropométricas foram obtidas com balanças portáteis digitais modelo Plenna, que utilizam a medida por pressão e tecnologia microeletrônica, com precisão de 0,1kg e capacidade até 150kg. Antropômetros portáteis do tipo person-check da marca KaWe, com precisão de 1mm, foram usados para avaliação da estatura. Essa aferição foi feita com os alunos sem sapatos, usando uniformes padronizados e a cabeça no plano de Frankfort. O peso considerado teve a subtração do peso do uniforme.

A avaliação nutricional foi realizada considerando o Índice de Massa Corporal (IMC= peso em quilos dividido pela altura em metros ao quadrado). Para definição do sobrepeso, considerou-se como ponto de corte o percentil igual ou maior que 85 e menor que 95, no diagnóstico da obesidade, o percentil igual ou maior que 95, tendo como referência as medidas antropométricas constantes nas tabelas de Must et al.16, com base nos valores antropométricos da população americana, coletados na National Health and Nutrition Examination Survey I (NHANES I). Definiu-se a expressão sobrepeso/obesidade como o excesso de massa corporal correspondendo aos critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS)1, que estabelece risco de sobrepeso para os adolescentes com IMC maior ou igual ao percentil 85 da população americana.

Com relação às faixas etárias, trabalhou-se com duas categorias, correspondendo, respectivamente, às fases da adolescência precoce e da tardia. A primeira compreende a faixa etária de 10 aos 14 anos, que inclui o início das mudanças puberais, e a segunda de 15 aos 19 anos, que é a fase do término do crescimento e do desenvolvimento morfológico17.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Ceará (COMEPE).

Após consentimento dos adolescentes de 18 a 19 anos e dos responsáveis das faixas etárias menores, as medidas antropométricas foram aferidas, em dias agendados nas escolas, por médicos, nutricionistas, educadores físicos e alunos de Medicina previamente treinados.

Os dados foram processados em base eletrônica, utilizando-se o programa Epi Info, versão 6.04 do CDC - Organização Mundial de Saúde.

Foram calculados a prevalência de sobrepeso/obesidade e seus respectivos intervalos de confiança de 95%. Para determinar a significância estatística da associação entre excesso de peso e nível socioeconômico, foi realizado o teste de qui-quadrado, com nível de significância de 5% e foi calculada a razão de prevalência e seu respectivo intervalo de confiança de 95%.

RESULTADOS

O estudo teve a participação de 1.158 adolescentes, sendo 555 do sexo masculino (47,9%) e 603 do sexo feminino (52,1%). A prevalência de sobrepeso/obesidade nas classes de nível socioeconômico mais elevado foi de 24,8% e de 17,4% nas de menor nível (p<0,05) (Tabela 1).

Nos estratos sociais de maior nível socioeconômico, o sexo masculino apresentou maior prevalência de sobrepeso/obesidade em relação ao feminino, e nos de menor nível não foi encontrada diferença estatisticamente significante entre os sexos.

Nas classes de maior nível socioeconômico a freqüência de sobrepeso/obesidade nos adolescentes masculinos foi de 33,7%, enquanto que nas de menor nível foi de 14,4% (p<0,05).

Nas adolescentes de maior nível socioeconômico observou-se uma prevalência de 15,7%, enquanto que nas de menor nível a prevalência foi de 19,8%, diferença estatisticamente não significante (p>0,05).

Comparando as faixas etárias, a prevalência de sobrepeso/obesidade foi maior na adolescência precoce (10-14 anos) entre os de maior nível socioeconômico, no entanto, nas classes de menor nível socioeconômico, essa diferença não foi encontrada.

Analisando a adolescência precoce, as classes de maior nível socioeconômico tiveram uma prevalência de sobrepeso/obesidade (32,5%) maior do que as de menor nível (20,7%), sendo essa diferença significante (p>0,05). Em relação à adolescência tardia (15-19 anos), o mesmo não foi observado (p<0,05) entre as de maior (14,5%) e as de menor nível socioeconômico (14,8%).

DISCUSSÃO

Os achados deste estudo, pela sua magnitude, denunciam a obesidade nos adolescentes como um agravo nutricional merecedor de atenção. Constatou-se maior prevalência de sobrepeso/obesidade nas classes sociais de maior poder aquisitivo, possivelmente, tal como se tem observado em outros países em desenvolvimento, pela maior disponibilidade de alimentos com maior densidade energética e pela menor atividade física nesses estratos sociais18.

Nas distintas camadas sociais não se encontrou diferença na prevalência de sobrepeso/obesidade nos adolescentes do sexo feminino. Particularizando o sexo masculino, a freqüência do sobrepeso/obesidade foi mais elevada nas classes sociais mais abastadas. A freqüência de excesso de peso nas adolescentes de estratos mais elevados manifesta-se de maneira diferente dos meninos, pois, provavelmente, naquelas ocorre maior influência do culto ao corpo mais magro19, como também pode haver influência do conhecimento dos riscos decorrentes do excesso de peso.

Nos estratos sociais mais altos encontrou-se, na adolescência precoce, uma maior prevalência de sobrepeso/obesidade. Já na adolescência tardia, essa prevalência foi menor, sem diferenças entre os níveis sociais. Uma provável justificativa seria uma maior conscientização do problema pela maturidade, principalmente nas camadas sociais mais elevadas, juntamente com o estirão que, naturalmente, faz com que esse excesso ponderal seja compensado pelo crescimento linear20.

A comparação com outros estudos apresenta restrições, visto que os procedimentos para classificação de níveis socioeconômicos são diversificados. Outra limitação é causada pela falta de padronização no diagnóstico da obesidade na adolescência.

Nos países desenvolvidos, observa-se uma correlação inversa entre os níveis socioeconômicos e a prevalência da obesidade em adolescentes, como mostram McMurray et al.21, no estudo feito com americanos. Wang22, comparando a relação entre os níveis socioeconômicos e a prevalência de sobrepeso/obesidade em crianças e adolescentes em três países (EUA, China e Rússia), constatou maior número de obesos nos níveis socioeconômicos mais elevados na China e Rússia, ao passo que, entre os adolescentes americanos, essa relação foi inversa.

Estudos transversais sobre a relação entre nível socioeconômico e obesidade em países em desenvolvimento são escassos23. Sobal & Stunkard8 demonstraram que, nos países desenvolvidos, a obesidade tende a ser mais freqüente nas camadas da população com menor renda, ocorrendo o inverso nos países em desenvolvimento. No entanto, estudos nacionais em faixas etárias mais elevadas mostraram uma relação diferente. Monteiro et al.23, analisando três grandes inquéritos nacionais: (Estudo Nacional sobre Despesa Familiar, 1974-197511, Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição, 198924 e Pesquisa sobre Padrões de Vida, 1996-199712) avaliaram, nas regiões Nordeste e Sudeste do Brasil, a tendência secular da obesidade segundo os níveis de escolaridade da população, em indivíduos adultos. Constataram que está ocorrendo progressivo aumento da obesidade para indivíduos sem escolaridade, acontecendo uma estabilidade ou mesmo diminuição desse distúrbio nos estratos femininos de média ou alta escolaridade. Nos homens está diminuindo a relação positiva entre a escolaridade e o risco de excesso de peso.

A relação entre nível socioeconômico e sobrepeso/obesidade em adolescentes foi descrita no estudo realizado por Magalhães et al.19, na região Sudeste e Nordeste do Brasil, com base nos dados da Pesquisa sobre Padrões de Vida12. Esses autores observaram menor risco de sobrepeso/obesidade para as meninas do Sudeste de categorias de renda mais elevada (acima de três salários mínimos), o mesmo não sendo encontrado para as meninas do Nordeste, que apresentaram prevalências semelhantes entre as categorias de renda. Neste estudo, a prevalência de excesso de peso no sexo feminino não apresentou diferença entre os estratos sociais.

Os dados de prevalência de sobrepeso/obesidade nos rapazes, tanto na Pesquisa sobre Padrões de Vida como nesta, demonstraram o aumento da freqüência de excesso de peso em função do maior nível de renda. Provavelmente, os adolescentes masculinos de classes mais elevadas ainda são mais susceptíveis ao estilo de vida sedentário, associado ao padrão alimentar inadequado e estão menos sensíveis às repercussões da obesidade. Feldman et al.25 relataram que as meninas são mais preocupadas com a obesidade, quando comparadas aos meninos. Guyot & Fairchild26 salientaram que a relação entre a auto-estima e o tipo do corpo pode ser maior entre as adolescentes.

Sobal & Stunkard8 tentam explicar a menor prevalência da obesidade em níveis sociais menos favorecidos nos países em desenvolvimento, pela falta de alimentos, associada a um maior dispêndio energético, enquanto que nas classes de melhor poder aquisitivo a freqüência da obesidade se torna maior em razão da facilidade de acesso a alimentos e também de fatores culturais que valorizam os indivíduos gordos. A obesidade pode ser considerada como um sinal de saúde e riqueza em sociedades em desenvolvimento. Em muitas regiões do mundo, a gordura é ainda um símbolo social de prestígio e uma forma de sedução sexual. Nos países desenvolvidos, as classes sociais mais privilegiadas conhecem as conseqüências da obesidade e as formas para preveni-las, como também os valores estéticos presentes e exigidos pela sociedade estão agregados a formas corporais magras. Esses achados se contrapõem ao que foi encontrado no sexo feminino neste estudo, não se havendo observado diferença de sobrepeso/obesidade entre os estratos sociais. Uma provável hipótese é de que as adolescentes com melhor nível socioeconômico já estão assumindo o comportamento semelhante ao de garotas de países desenvolvidos, onde ocorre maior cuidado em relação ao excesso de peso, apoiada essa mudança no conhecimento dos males da obesidade, e na forma globalizada de beleza feminina, com padrões corporais esbeltos.

Estudos epidemiológicos sobre obesidade na infância são ainda escassos27, fazendo-se necessária maior atenção a grupos etários específicos, como crianças e adolescentes23. Deve ser ressaltado que é importante determinar onde estão esses jovens com excesso de peso, tendo como finalidade o desenvolvimento de medidas de intervenção.

O conhecimento dos fatores de risco e da distribuição da obesidade nos diversos estratos sociais implica definir prioridades e estratégias de ação na saúde pública, especialmente na prevenção e no controle do aumento alarmante dessa epidemia. É importante um alerta sobre os hábitos alimentares, como também sobre as práticas de atividades físicas, de maneira que estas alcancem de forma eficaz todas as camadas sociais da população28.

Reconhecendo as características dessa prevalência, pode-se fazer a vigilância da evolução da obesidade, principalmente na adolescência e nos estratos sociais mais susceptíveis, atenuando o risco desses jovens tornarem-se adultos obesos29.

Conclui-se que a prevalência de sobrepeso e obesidade, em adolescentes do Município de Fortaleza, ocorre principalmente nas classes sociais mais favorecidas. Neste estudo foram apresentadas algumas relações importantes entre a freqüência do excesso de peso e os estratos sociais, observando-se uma relação diretamente proporcional entre o nível socioeconômico e o sobrepeso/obesidade no sexo masculino, fato que não foi encontrado no sexo feminino.

COLABORADORES

L.A. CAMPOS realizou a concepção, planejamento, execução, análise e interpretação dos resultados do artigo. A.J.M. LEITE participou na concepção, planejamento e interpretação dos resultados do artigo. P.C. ALMEIDA participou na revisão, análise e interpretação dos resultados do artigo.

AGRADECIMENTO

À Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico que, reconhecendo a importância deste trabalho, subsidiou o seu desenvolvimento.

Recebido em: 21/11/2005

Versão final reapresentada em: 17/7/2006

Aprovado em: 14/8/2006

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  • 1
    Artigo elaborado a partir da dissertação de L.A. CAMPOS, intitulada "Prevalência de sobrepeso e obesidade em adolescentes escolares do Município de Fortaleza". Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará; 2004.
    2
    Correspondência para/
    Correspondence to: L.A. CAMPOS.
    E-mail: <
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Jan 2007
    • Data do Fascículo
      Out 2006

    Histórico

    • Aceito
      14 Ago 2006
    • Recebido
      21 Nov 2005
    • Revisado
      17 Jul 2006
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