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Prevalência e prognóstico dos pacientes com pneumonia associada à ventilação mecânica em um hospital universitário

Resumos

OBJETIVO: Determinar prevalência de pneumonia associada à ventilação mecânica em unidade de terapia intensiva, fatores associados e evolução. MÉTODOS: Foram avaliados 278 pacientes sob ventilação mecânica por mais de 24 horas prospectivamente em hospital universitário. RESULTADOS: Desenvolveram a doença 38,1% dos pacientes, 35,7 casos/1.000 dias de ventilação mecânica: 45,3% por bacilos gram negativos, Pseudomonas aeruginosa (22%) o mais comum e 43,4% por germes multi-resistentes. O grupo com pneumonia associada à ventilação mecânica teve maiores tempos de ventilação mecânica, desmame, permanência no hospital e na unidade de terapia intensiva (p < 0,001); atelectasia, síndrome do desconforto respiratório agudo, pneumotórax, sinusite, traqueobronquite e infecção multirresistente foram mais comuns (p < 0,05). Letalidades na unidade de terapia intensiva e no hospital foram semelhantes. Fatores associados à doença (razão de chances; intervalo de confiança 95%): sinusite aguda (38,8; 3,4 - 441), ventilação mecânica >10 dias (7,7; 4,1 - 14,2), imunodepressão (4,3; 1,3 - 14,3), síndrome do desconforto respiratório agudo (3,5; 1,4 - 9,0), atelectasia (3,0; 1,2 - 7,3), parada cardiorrespiratória (0,18; 0,05 - 0,66) e hemorragia digestiva alta (0,07; 0,009 - 0,62]. Fatores associados ao óbito hospitalar: insuficiência renal crônica (26,1; 1,9 - 350,7), admissão prévia na unidade de terapia intensiva (15,6; 1,6 - 152,0), simplified acute physiologic score II > 50 pontos (11,9; 3,4 - 42,0) e idade > 55 anos (4,4; 1,6 - 12,3). CONCLUSÃO: A pneumonia associada à ventilação mecânica aumentou tempos de ventilação mecânica, permanência na unidade de terapia intensiva e no hospital, número de complicações, mas não a letalidade.

Pneumonia bacteriana; Infecção hospitalar; Unidades de terapia intensiva; Prognóstico; Estudos prospectivos; Terapia intensiva


OBJECTIVE: To determine the prevalence of ventilator-associated pneumonia in an intensive care unit, as well as to identify related factors and characterize patient evolution. METHODS: This study evaluated 278 patients on mechanical ventilation for more than 24 hours in a university hospital. RESULTS: Ventilator-associated pneumonia developed in 38.1% of the patients, translating to 35.7 cases/1000 ventilator-days: 45.3% were caused by gram-negative agents (Pseudomonas aeruginosa accounting for 22%); and multidrug resistant organisms were identified in 43.4%. In the ventilator-associated pneumonia group, time on mechanical ventilation, time to mechanical ventilation weaning, hospital stays and intensive care unit stays were all longer (p < 0.001). In addition, atelectasis, acute respiratory distress syndrome, pneumothorax, sinusitis, tracheobronchitis and infection with multidrug resistant organisms were more common in the ventilator-associated pneumonia group (p < 0.05). Mortality rates in the intensive care unit were comparable to those observed in the hospital infirmary. Associations between ventilator-associated pneumonia and various factors are expressed as odds ratios and 95% confidence intervals: acute sinusitis (38.8; 3.4-441); > 10 days on mechanical ventilation (7.7; 4.1-14.2); immunosuppression (4.3; 1.3-14.3); acute respiratory distress syndrome (3.5; 1.4-9.0); atelectasis (3.0; 1.2-7.3); cardiac arrest (0.18; 0.05-0.66); and upper gastrointestinal tract bleeding (0.07; 0.009-0.62). The variables found to be associated with in-hospital death were as follows: chronic renal failure (26.1; 1.9-350.7); previous intensive care unit admission (15.6; 1.6-152.0); simplified acute physiologic score II > 50 (11.9; 3.4-42.0); and age > 55 years (4.4; 1.6-12.3). CONCLUSION: Ventilator-associated pneumonia increased the time on mechanical ventilation and the number of complications, as well as the length of intensive care unit and hospital stays, but did not affect mortality rates.

Bacterial pneumonia; Hospital infection; Intensive care units; Prognosis; Prospective studies; Intensive care medicine


ARTIGO ORIGINAL

Prevalência e prognóstico dos pacientes com pneumonia associada à ventilação mecânica em um hospital universitário* * Trabalho realizado no Centro de Tratamento Intensivo - Unidade Médico-Cirúrgica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.

Márcio Martins de Queiroz GuimarãesI; José Rodolfo RoccoII

IMestre em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil

IIProfessor Adjunto de Clínica Médica Propedêutica da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Márcio Martins de Queiroz Guimarães Rua Visconde de Pirajá, 295/702, Ipanema CEP 22410-001, Rio de Janeiro, RJ, Brasil Tel: 55 21 2267-2428 E-mail: marcio@rj.net

RESUMO

OBJETIVO: Determinar prevalência de pneumonia associada à ventilação mecânica em unidade de terapia intensiva, fatores associados e evolução.

MÉTODOS: Foram avaliados 278 pacientes sob ventilação mecânica por mais de 24 horas prospectivamente em hospital universitário.

RESULTADOS: Desenvolveram a doença 38,1% dos pacientes, 35,7 casos/1.000 dias de ventilação mecânica: 45,3% por bacilos gram negativos, Pseudomonas aeruginosa (22%) o mais comum e 43,4% por germes multi-resistentes. O grupo com pneumonia associada à ventilação mecânica teve maiores tempos de ventilação mecânica, desmame, permanência no hospital e na unidade de terapia intensiva (p < 0,001); atelectasia, síndrome do desconforto respiratório agudo, pneumotórax, sinusite, traqueobronquite e infecção multirresistente foram mais comuns (p < 0,05). Letalidades na unidade de terapia intensiva e no hospital foram semelhantes. Fatores associados à doença (razão de chances; intervalo de confiança 95%): sinusite aguda (38,8; 3,4 - 441), ventilação mecânica >10 dias (7,7; 4,1 - 14,2), imunodepressão (4,3; 1,3 - 14,3), síndrome do desconforto respiratório agudo (3,5; 1,4 - 9,0), atelectasia (3,0; 1,2 - 7,3), parada cardiorrespiratória (0,18; 0,05 - 0,66) e hemorragia digestiva alta (0,07; 0,009 - 0,62]. Fatores associados ao óbito hospitalar: insuficiência renal crônica (26,1; 1,9 - 350,7), admissão prévia na unidade de terapia intensiva (15,6; 1,6 - 152,0), simplified acute physiologic score II > 50 pontos (11,9; 3,4 - 42,0) e idade > 55 anos (4,4; 1,6 - 12,3).

CONCLUSÃO: A pneumonia associada à ventilação mecânica aumentou tempos de ventilação mecânica, permanência na unidade de terapia intensiva e no hospital, número de complicações, mas não a letalidade.

Descritores: Pneumonia bacteriana; Infecção hospitalar; Unidades de terapia intensiva; Prognóstico; Estudos prospectivos; Terapia intensiva

INTRODUÇÃO

A pneumonia hospitalar é a segunda causa mais comum de infecção nosocomial(1-2) e apresenta elevada letalidade.(3) Nas unidades de terapia intensiva (UTI) a pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV) é a infecção mais comum.(4) A incidência varia de 9% a 68%, dependendo do método diagnóstico utilizado e da população estudada. Sua alta letalidade varia entre 33% e 71% e a relação entre caso e fatalidade pode atingir até 55%.(5) Oitenta e seis por cento dos casos de pneumonia hospitalar estão associados com a ventilação mecânica (VM).(2) Por outro lado, 9% a 27% dos pacientes ventilados desenvolvem pneumonia.(6-7) A prevalência relatada é de 20,5 a 34,4 casos de pneumonia por 1.000 dias de VM e de 3,2 casos por 1.000 dias em pacientes não ventilados.(8-9) Há uma variação entre 10% e 50% dos pacientes intubados que podem desenvolver pneumonia, com risco aproximado de 1% a 3% por dia de intubação endotraqueal.(10-11)

O presente estudo visa a obter a prevalência da PAV em pacientes ventilados mecanicamente, identificar que fatores estão associados à PAV e o seu prognóstico hospitalar.

MÉTODOS

O estudo foi conduzido na UTI do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no período de setembro de 1999 a fevereiro de 2001. Essa UTI possui dez leitos para pacientes adultos, com taxa de admissão aproximada de 600 pacientes ao ano. Foram estudados de modo prospectivo os pacientes admitidos que necessitaram de VM por pelo menos 24h consecutivas. Os seguintes dados foram coletados nas primeiras 24 horas de admissão: presença de co-morbidades e doenças agudas; exame físico - pressão arterial, freqüência cardíaca, pressão atrial diastólica direita, freqüência respiratória, temperatura axilar, diurese, pontos na escala de coma de Glasgow, presença ou não de icterícia; exames de laboratório - hemograma, bioquímica, gasometria arterial e o valor da fração inspirada de oxigênio; uso de vasopressores - dopamina, dobutamina, noradrenalina e adrenalina; escores prognósticos - acute physiology and chronic health evaluation (APACHE II e III), simplified acute physiology score (SAPS II), organ dysfunction and infection (ODIN), multiple organ dysfunction score (MODS) e sepsis-related organ failure assessment (SOFA); e evolução - dias de internação na UTI e no hospital, evolução na UTI e no hospital, causa do óbito e relação do óbito com a infecção.

Em 97,8% dos pacientes foi utilizado o respirador microprocessado Bird8400 (Bird Products Corp. Palm Springs, CA 92262 – USA). Para o transporte intra-hospitalar dos pacientes, foram utilizados os ventiladores T-Bird, Bird Mark-7 (Bird Products Corp. Palm Springs, CA 92262 – USA) e NewPort.

Por ser um estudo observacional, nenhuma estratégia terapêutica foi tomada ou modificada com base nessa coorte.

Associados à história e à apresentação clínica do paciente, foram utilizados os seguintes critérios para o diagnóstico de PAV: contagem de leucócitos acima de 10.000/mm3 ou abaixo de 4.000/mm3; temperatura axilar > 38ºC ou < 36ºC; presença de secreção traqueal purulenta, ou mudança em seu aspecto; presença de novos, persistentes ou progressivos infiltrados, consolidações, cavitações pulmonares ou derrame pleural (radiografia, tomografia computadorizada de tórax, ou ambas) - excluídas outras causas não-infecciosas; e positividade em culturas de amostras de aspirado de secreção traqueal, do lavado broncoalveolar (LBA), ou ambos, e de sangue, quando disponível.

As taxas de PAV foram descritas conforme norma estabelecida pelo Sistema Nacional de Vigilância de Infecção Nosocomial do Centers for Disease Control and Prevention (taxa = nº casos PAV/1.000 dias VM).(16)

O diagnóstico microbiológico foi feito através de culturas de LBA, do aspirado de secreção traqueal quantitativa, de hemoculturas e de biópsias pulmonares. As seguintes complicações durante a VM também foram registradas: síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), traqueobronquite, sinusite aguda, atelectasia, pneumotórax, pneumomediastino e extubação acidental.

As informações foram digitadas em planilha eletrônica, sendo apresentadas como proporções (%) ou medianas (interquartil 25% - 75%). Para as variáveis categóricas foi utilizado o teste do qui-quadrado com correção de continuidade de Yates quando indicado, sendo utilizado o teste Mann-Whitney Rank Sum para comparar variáveis contínuas não paramétricas. Para a correlação entre duas variáveis, foram utilizados a regressão linear e o coeficiente de correlação de Pearson, como no caso dos dias de VM e de percentagem de pneumonia. Para a análise multivariada (regressão logística binária) foi utilizado o pacote estatístico SPSS versão 10.0 (SPSS Inc., Chicago, Illinois, EUA). As variáveis que alcançaram p < 0,25 foram selecionadas para a regressão logística. As variáveis contínuas foram categorizadas, sendo selecionados os melhores pontos de corte determinados estatisticamente. As variáveis selecionadas são apresentadas em tabelas com os respectivos coeficientes (erro padrão) e razão de chances (intervalo de confiança de 95%). Após a regressão logística, a discriminação e a calibração dos modelos criados foram avaliadas através da área sob a curva recebedora das características dos operadores e da estatística Goodness-of-fit de Hosmer e Lemeshow, respectivamente. Em todos os casos, os dados foram considerados significativos com o valor de p < 0,05.

Devido ao caráter unicamente observacional e epidemiológico, o presente estudo foi aprovado pelo comitê local de ética em pesquisa, sendo dispensada excepcionalmente a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

RESULTADOS

Durante dezoito meses, 755 pacientes foram admitidos na UTI num total de 808 internações. Foram excluídos do estudo 477 pacientes por não apresentarem os critérios de inclusão. Assim, foram incluídos 278 pacientes, com idade mediana de 52 anos (intervalo interquartil 25% - 75% de 37 - 66 anos), sendo 50% deles do sexo masculino.

Duzentos e vinte pacientes foram admitidos intubados ou traqueostomizados (79,1%), estando 218 em VM (78,4%). Cento e cinqüenta pacientes apresentaram insuficiência respiratória à admissão (54%) e 33,1% (92/278) com diagnóstico de pneumonia: 53 pacientes com pneumonia hospitalar (57,6%) e 39 com pneumonia comunitária prévia à internação na UTI (42,4%). Além daqueles pacientes submetidos à traqueostomia previamente à admissão na UTI, 73 foram traqueostomizados durante a permanência na UTI (26,3%). O procedimento foi realizado em 11,1 dias (7 a 16 dias) de VM. Nenhum paciente necessitou ou teve indicação de uso de tubo traqueal por via nasal.

A maioria das internações foi por causa clínica, representando 147 pacientes (53%). Setenta e seis pacientes foram internados em pós-operatório de cirurgia eletiva (27%) e 55 em pós-operatório de cirurgia de urgência (20%). Trinta pacientes já haviam sido internados na UTI previamente (10,8%).

As co-morbidades mais freqüentes foram: doença pulmonar obstrutiva crônica ou pneumopatia restritiva (40/278 - 14,4%), cirrose hepática (33/278 - 11,9%), insuficiência renal crônica (25/278 - 9%), insuficiência cardíaca congestiva (21/278 - 7,6%), imunodepressão (19/278 - 6,8%), neoplasia metastática (12/278 - 4,3%), síndrome da imunodeficiência adquirida (9/278 - 3,2%) e linfoma ou mieloma (9/278 - 3,2%). Já os diagnósticos mais encontrados de doença aguda foram: insuficiência renal aguda (44/278 - 15,8%), parada cardiorrespiratória (28/278 - 10,1%), arritmia cardíaca (23/278 - 8,3%), hemorragia digestiva alta (14/278 - 5%) e efeito de massa intracraniana (4/278 - 1,4%).

Em 24 horas de admissão, 149 pacientes apresentavam alguma infecção confirmada (149/278 - 53,6%), 235 (235/278 - 84,5%) estavam em VM, 92 (92/278 - 33,1%) necessitaram de vasopressores por mais de uma hora e 29 (29/278 - 10,4%) encontravam-se em coma (Glasgow 5).

Cento e seis (38,1%) pacientes desenvolveram PAV em (mediana - intervalo interquartil de 25% - 75%) quatro dias (2 a 19 dias) de VM, com uma taxa de 35,7 casos por 1.000 dias de VM. A Figura 1 apresenta a prevalência da PAV em relação aos dias de VM. A duração mediana da VM foi de 7 dias (3 a 15 dias). Entre os pacientes que desenvolveram PAV, o tempo de VM foi de 2 a 93 dias, com mediana de 13 dias (7 a 20 dias). No grupo sem PAV o tempo foi menor: entre 1 e 37 dias, com mediana de 5 dias (2 a 9 dias); p < 0,0001.


Apresentavam causa clínica como indicação para admissão na UTI 69 pacientes com PAV (65,1%) e os demais eram pacientes cirúrgicos.

Em 64 pacientes com PAV foram identificados os agentes etiológicos (60,4%), sendo os germes gram-negativos responsáveis por 29 casos (45,3%). Os germes mais isolados foram P. aeruginosa (22%), Acinetobacter spp. (14%) e methicillin-resistent Staphylococcus aureus (11%). Em 13,2% das hemoculturas o resultado foi positivo, sendo isolado em 43,7% dos casos o Staphylococcus spp. A maioria das culturas foi polimicrobiana (28,6%), com freqüência equivalente entre o aspirado de secreção traqueal e o LBA. Quarenta e seis pacientes apresentaram infecção por germes multirresistentes (43,4%).

Apesar de a SDRA e as infecções por germes multirresistentes não resultarem diretamente da VM, ambas foram relacionadas na Tabela 1 para se comparar os grupos de pacientes com e sem PAV que desenvolveram complicações durante o suporte ventilatório. Necessitaram de reintubação 13% dos pacientes (37/278) e 20,1% de traqueostomia para desmame (56/278).

A probabilidade de óbito gerada pelos escores prognósticos acute physiologic and chronic health evaluation II e III e simplified acute physiologic score II não foi diferente nos pacientes com e sem PAV: acute physiologic and chronic health evaluation II (%) com PAV - 38,6% (21% a 66,9%) versus sem PAV - 39,7% (17,3% a 63,6%), p = não significativo; acute physiologic and chronic health evaluation III (pontos) com PAV - 74,5 (59 - 95) pontos versus sem PAV - 73 (54 - 91) pontos, p = não significativo; simplified acute physiologic score II com PAV - 30,6% (12,8% - 57,5%) versus sem PAV - 28,5% (10,2% - 58,6%), p = não significativo. Entretanto, os escores para disfunção de órgãos multiple organ dysfunction score, sepsis-related organ failure assessment e organ dysfunction and infection foram diferentes: multiple organ dysfunction score (pontos) com PAV - 7 (5 - 10) pontos versus sem PAV - 6 (4 - 8) pontos, p < 0,05; sepsis-related organ failure assessment (pontos) com PAV - 9 (6 - 12) pontos versus sem PAV - 8 (5 - 11) pontos, p < 0,05; organ dysfunction and infection com PAV - 21,3% (12,2% - 31,4%) versus sem PAV - 12,2% (7,59% - 31,4%), p < 0,05.

Na Tabela 2 são enunciados os intervalos de tempo de VM, de desmame da VM, do tempo de internação na UTI e no hospital, e a evolução na UTI e no hospital. A presença de PAV aumentou o tempo de VM, de desmame, e a permanência na UTI e no hospital. Entretanto, não foi observada maior letalidade, seja na UTI, seja hospitalar.

Na Tabela 3 são descritos os fatores relacionados à presença de PAV, selecionados por regressão logística binária. Observamos que sinusite aguda, atelectasia, SDRA, imunodepressão e período de mais de dez dias de VM foram as variáveis positivamente associadas à presença de PAV. Por outro lado, a presença de hemorragia digestiva alta e parada cardiorrespiratória foram variáveis protetoras, ou seja, nos pacientes que apresentaram essas características, a incidência de PAV foi menor. O modelo apresentou boa discriminação: área abaixo da curva receiver operating characteristics erro padrão (intervalo de confiança de 95%) = 0,836 + 0,025 (0,786 - 0,886); e boa calibração: teste goodness-of-fit - C^= 0,661; p = 0,985.

Na Tabela 4 são apresentadas as variáveis associadas à evolução para o óbito hospitalar, selecionadas por regressão logística binária. Observa-se que a insuficiência renal crônica, a admissão prévia na UTI (na mesma internação hospitalar), idade acima de 55 anos e o simplified acute physiologic score II > 50 pontos foram positivamente associados ao óbito hospitalar. O modelo também apresentou boa discriminação: área abaixo da curva receiver operating characteristics erro padrão (intervalo de confiança de 95%) = 0,850 + 0,039 (0,773 - 0,927); e boa calibração (teste goodness-of-fit - C^= 4,297; p = 0,636).

DISCUSSÃO

Neste estudo, 38,1% dos pacientes avaliados desenvolveram PAV, com taxa de 35,7 casos por 1.000 dias de ventilação. Têm sido encontradas taxas bastante variáveis, desde 20,5 a 34,4 casos por 1.000 dias de ventilação.(9-10,12) Estes resultados ultrapassam os dados do National Nosocomial Infections Surveillance System,(13) cuja taxa é de 13,5 casos por 1.000 dias de ventilação. Hoje não existe nenhum teste padrão ouro para o diagnóstico de PAV e nenhum método específico para a exclusão de infecção pulmonar em pacientes ventilados mecanicamente com febre e síndrome de disfunção orgânica múltipla. Isto pode ser a causa das taxas de PAV tão conflitantes entre unidades, hospitais, regiões e países. Mesmo estudos diagnósticos histológicos post mortem não são conclusivos.(14) A dosagem de soluble triggering receptor expressed on myeloid cells (sTREM-1) no LBA vem sendo avaliada como teste diagnóstico de rápida execução e resultado mais precoce para pneumonia.(15)

Por exemplo, se considerarmos os resultados de culturas de secreção traqueal, a incidência de PAV pode ser duas vezes mais elevada que naqueles casos em que o diagnóstico é feito apenas com o uso do LBA.(5) No presente trabalho, foram utilizadas ambas as técnicas de coleta de material, com cerca de 60% de positividade em todas as culturas realizadas. Ao contrário de diversos estudos que selecionam os pacientes com base no tipo de exame empregado para diagnóstico da PAV (geralmente o LBA), este estudo observacional aproxima-se mais da realidade da prática médica vigente, pois os pacientes não foram selecionados. No diagnóstico etiológico, observamos concordância com os agentes comumente isolados na PAV tardia.(16-17)

Neste estudo ocorreram 92 casos de PAV tardia (87%). Apresentaram infecção por microrganismos resistentes 43% dos pacientes com PAV, sendo este valor estatisticamente maior quando comparado ao do grupo sem PAV (p < 0,001).

Ao serem analisadas as complicações durante a VM entre os dois grupos, verificou-se que os pacientes com PAV apresentaram mais freqüentemente SDRA, pneumotórax, atelectasia, traqueobronquite e sinusite do que o grupo sem PAV, todos com valores estatísticos significativos (Tabela 2). Os seios da face podem ser reservatórios de patógenos nosocomiais, contribuindo para a colonização da orofaringe.(7) Na SDRA a suspeição de pneumonia deve ser muito alta e a presença de apenas um dos critérios clínicos (febre, leucocitose ou secreção traqueal purulenta), instabilidade hemodinâmica ou hipoxemia deve sugerir a busca do diagnóstico de PAV, com a coleta de culturas e a realização de métodos diagnósticos de imagem (por exemplo, tomografia computadorizada de tórax).(18)

Como pode ser observado na Tabela 2, 126 pacientes da amostra foram ao óbito na UTI, sendo que 62% deles estavam relacionados à infecção, incluindo ou não a PAV. Isto significa que a morte causada por infecção ainda é um grave problema e que, no grupo com PAV, os escores para disfunção orgânica multiple organ dysfunction score, sepsis-related organ failure assessment e organ dysfunction and infection, que avaliam infecção e sepse, tiveram bom desempenho no estudo.

Os pacientes ventilados mecanicamente apresentaram elevada letalidade. A presença ou não de PAV não influenciou a já elevada letalidade, seja na UTI, seja hospitalar. Alguns autores(19) observaram maior letalidade nos pacientes com PAV. Por outro lado, ao ser analisado o impacto da PAV com relação ao tempo de VM, ao desmame e às permanências na UTI e no hospital, os resultados tiveram valores bem distintos (p < 0,001) (Tabela 2). Outros autores(12,20,22) sugerem que a gravidade do quadro clínico dos pacientes no momento do diagnóstico de PAV é o fator de maior importância no impacto na sobrevida na UTI.

Através da estatística multivariada, observou-se que a presença da sinusite aguda teve forte associação com PAV, mas com intervalo de confiança amplo, justificado pelo pequeno número de casos (Tabela 3). A atelectasia também se apresentou como fator fortemente associado à PAV, provavelmente pelo maior comprometimento da ventilação nestes pacientes. O tempo de VM é um fator reconhecido e fortemente associado ao desenvolvimento da pneumonia nosocomial. Neste estudo, o maior número de casos foi de PAV tardia, e, dessa forma, o tempo de VM maior que dez dias foi a variável identificada com a segunda maior razão de chances para PAV, confirmando outros estudos.(19) A imunodepressão foi outro fator relacionado à PAV, apesar do pequeno número de casos na amostra (6,8%). Se consideradas as condições de neoplasia metastática, linfoma, mieloma e síndrome da imunodeficiência adquirida, o número de "imunodeprimidos" é maior (49/278). A maior susceptibilidade à infecção nestes pacientes é justificada pelo estado imunológico comprometido, tendo este sido um fator fortemente associado à PAV. Pacientes com SDRA também estão predispostos à infecção pulmonar (em 24 horas de diagnóstico de SDRA) entre 34% e 70% dos casos, levando freqüentemente à sepse, síndrome de disfunção orgânica múltipla e ao óbito.(3) Alguns autores(21) encontraram, em amostras de pulmão examinadas em autópsias de pacientes com SDRA, presença de pneumonia em 73% dos casos. A parada cardiorrespiratória prévia à internação na UTI foi identificada como fator inversamente relacionado à PAV. Vinte e oito pacientes haviam apresentado parada cardiorrespiratória antes da admissão na UTI e apenas 7 desenvolveram PAV (25%). Dezenove destes pacientes foram ao óbito (68%), incluindo 5 pacientes que desenvolveram PAV. Assim, muitos pacientes faleceram antes do desenvolvimento de PAV. Já a hemorragia digestiva alta também foi um fator identificado pela regressão logística e inversamente relacionado à incidência da PAV. Possivelmente os pacientes com hemorragia digestiva alta apresentavam pH gástrico mais ácido. Sabe-se que a inibição da secreção gástrica com bloqueadores de receptores de histamina (H2) ou da bomba de prótons e/ou dieta enteral favorecem a ocorrência de PAV.(19)

O valor do escore simplified acute physiologic score II não apresentou significado estatístico entre os pacientes com e sem PAV. Entretanto, seu valor elevado (> 50 pontos) foi associado à letalidade hospitalar nos pacientes com PAV. A idade e a presença de insuficiência renal crônica também foram associadas ao óbito hospitalar, denotando o comprometimento do estado funcional com a idade e a presença de doenças crônicas nos pacientes com PAV.(22) A idade e doenças crônicas estão freqüentemente relacionadas com o prognóstico. Um artigo recente revelou maior letalidade em pacientes idosos com PAV.(23) Outra publicação refere que a presença de co-morbidades diminui a probabilidade de se sobreviver à internação na UTI.(24)

Em um recente trabalho multicêntrico, em que se estudaram os pacientes críticos com insuficiência renal aguda e o impacto prognóstico, a letalidade, para esses pacientes, foi de 60,3%. Os maiores fatores de risco independentes para a letalidade hospitalar foram a VM e o uso de vasopressores.(25) Ao se identificar as características dos pacientes com insuficiência renal aguda nos diversos centros, verifica-se que aproximadamente 30% apresentavam dano renal crônico, ou seja, uma disfunção renal pré-mórbida. Entende-se, assim, que a doença crônica tem forte impacto nesses pacientes com infecção que desenvolvem sepse, choque séptico e/ou disfunção orgânica, contribuindo no prognóstico hospitalar.

A internação prévia na UTI pode corresponder a um cenário de cronicidade cada vez mais freqüente, demonstrando um prognóstico ruim em longo prazo, no qual os pacientes não apresentam condições de receber alta hospitalar, desenvolvem um estado crônico e são remetidos à UTI, quando então um evento agudo se lhes acomete.

O presente estudo foi realizado em uma única UTI em um hospital universitário no Rio de Janeiro (RJ), sendo necessária cautela na extrapolação dos dados aqui apresentados para outros serviços em outros hospitais. Diferentes práticas de VM, critérios diagnósticos e métodos de diagnóstico bacteriológico podem modificar os resultados aqui relatados.

Este estudo determinou a prevalência da PAV na UTI do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro, identificou quais os fatores associados e o prognóstico hospitalar. O conhecimento desses fatores é importante para esclarecimento dos profissionais que lidam com esses pacientes gravemente enfermos e suas famílias. Alguns desses fatores podem ser potencialmente evitados, diminuindo-se a incidência de PAV e sua letalidade.

AGRADECIMENTOS

Ao Professor Rocco pela sua dedicação e entusiasmo com a formação acadêmica e estímulo científico, que pudemos reconhecer ao longo de todas as etapas de graduação, residência médica e pós-graduação na Universidade Federal do Rio de Janeiro. A toda equipe médica do Centro de Tratamento Intensivo - Unidade Médico-Cirúrgica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho. Ao Dr. Marco Aurélio Albuquerque, pelo seu incentivo pela qualidade na assistência médica e busca dos conhecimentos científicos.

Recebido para publicação em 29/4/05. Aprovado, após revisão, em 30/11/05.

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    Trabalho realizado no Centro de Tratamento Intensivo - Unidade Médico-Cirúrgica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Ago 2006

    Histórico

    • Aceito
      30 Nov 2005
    • Recebido
      29 Abr 2005
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